DOIS SONETOS DE MACHADO DE ASSIS (1839-1908) E SUAS ANÁLISES LITERÁRIAS
01. Círculo vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
“Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
“Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela”
Mas a lua, fitando o sol com azedume:
“Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume”!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
"Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta luz e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vagalume?”
Esquema de rimas:
1º quarteto: abba.
2º quarteto: abba.
1º terceto: cdc.
2º terceto: dcd.
Análise literária
SONETO dedicado ao círculo vicioso que a natureza oferece todos os dias e muitas pessoas não veem.
1) No plano literal: é a leitura horizontal, superficial (o que, aparentemente, o autor não quis dizer).
1º quarteto: fala de um insatisfeito vagalume que, quer ser estrela.
2º quarteto: uma estrela, invejada por um insatisfeito vagalume, também, insatisfeita com seu brilho, inveja o brilho da Lua.
1º terceto: mas, a lua inveja o brilho do Sol.
2º terceto: o Sol, com todo o seu lume, inveja o pequenino vagalume, daí o círculo vicioso oferecido pela natureza, mas nem todos percebem.
2) No plano profundo: é a leitura vertical, ou seja, o que o autor aparentemente não disse, mas, está implícito no texto.
Existe um espetáculo oferecido pela natureza e muitas pessoas ignoram esse acontecimento. Outro fator interessante está implícito na seguinte questão: ninguém está feliz com o que tem. O pirilampo tem lume, mas, (estranhamente) inveja o brilho da estrela; a estrela também tem luz, mas, inveja o brilho da lua; a lua, por sua vez, também tem o seu brilho, mas, inveja o brilho do Sol. E até o Sol?... O Astro-Rei, estrela de quinta grandeza no Universo, com todo aquele brilho intenso e magnífico, insatisfeito com o que tem, inveja o brilho do pequenino vagalume. Eis o porquê do título do SONETO como um círculo vicioso.
02. A Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.
Trago-te flores – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Machado de Assis, 1906.
Esquema de rimas:
1º quarteto: abba.
2º quarteto: abba.
1º terceto: cdc.
2º terceto: dcd.
Análise literária
SONETO (composição poética de forma fixa, de origem italiana, que significa – pequeno som – composta de quatorze versos, divididos em dois quartetos – estrofes de quatro verso – e dois tercetos – estrofes de três versos e com o seguinte esquema rítmico: abba – abba – cdc – cdc).
a) No plano literal: leitura horizontal.
A Carolina, soneto dedicado a esposa falecida em 1904, após uma vida conjugal de trinta e cinco anos (1870-1904).
1º quarteto: a verdadeira homenagem ao Amor (conjugal) denunciado no uso do vocativo sentimental (querida) e a constatação de uma vida harmoniosa após muitos anos de matrimônio.
2º quarteto: a lembrança da vida feliz, na casinha nº 18 no Cosme Velho e na rua de mesmo nome (... e num recanto pôs o mundo inteiro...).
1º terceto: as flores arrancadas da terra que os viu passar unidos pelo Amor e trazidas, num lamento, juntamente com a constatação da separação pela morte (...e ora mortos, nos deixa separados...).
2º terceto: os olhos malferidos, ou seja, cansados da vida e a visão, agora imperfeita, necessitando de óculos, mas testemunha de uma longa e bem vivida vida feliz.
b) No plano profundo: a leitura vertical.
O autor relata sua vida conjugal e feliz durante trinta e cinco anos, fato que só teve fim, em virtude do falecimento da esposa (Carolina Machado de Assis) querida (o vocativo, citado duas vezes: uma no primeiro verso e a segunda citação, no terceiro verso – entendendo verso como cada uma das linhas gráficas do poema) daí o nome do SONETO, que é homenagem a Esposa.
O velho Machado tão fiel continua a ela, agora no túmulo e, como companheiro, leva as flores arrancadas da terra dos lugares em que viveu com ela, a casinha nº 18, no Cosme Velho.
Lembra também o fato de que a separação, do casal ocorreu pela mesma terra (a morte da esposa em 1904) que um dia os viu passar unidos e agora, os mantêm separados.
Por último relembra: a visão imperfeita, os olhos malferidos (necessitando do uso de óculos), juntamente com as belas lembranças de uma longa vida com a mulher amada.
Rio, novembro de 2017.
Augusto de Sênior.
(Amauri C. Ferreira)
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BIBLIOGRAFIA:
SÊNIOR, Augusto de. Sonetos (Meus). SP: Clube de Autores, 2017. Págs.: 14 a 17.
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