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      Canção da Travessia
       
(republicação) 

 
Queria tanto pôr meus versos no teu leito
E na tua língua dialogarmos para sempre
Não é justo, não é certo, não é ditoso,
Deixar que o mar te carregue eternamente.
Um mago disse-me através do vento:
“O teu coração de tanto (a)mar ficou caduco.”
E a tua correnteza cantou-me o silêncio
Da minha travessia Bahia x Pernambuco
 
Velho Chico, velho em ti só as palavras
Porque tuas águas são flores primaveris
Ora azuis, ora verdes, se abrem lá em Minas
E vêm fertilizar sertões do meu país.
Cantar, querer tomar pra mim a tua melodia
Seria mero descuido da própria vaidade
Nem Zeus fez melhor ao cortejar a sua Hera
Nem farão as cigarras eu sua unanimidade.
 
Então, repito: velho em ti só as palavras,
Pois contigo vão de noite e vêm de dia.
Com elas – penso até que sou poeta.
Sem elas – nada ao mundo eu contaria.
Velho Chico, faz uma tatuagem com meu nome!
Escreve aí no teu paredão baiano,
Que meu coração tombou em tuas águas.
Se acaso ele morresse, seria por engano?


Nota:
Há algum tempo, ao fazer este poema eu tentava demonstrar um pouco da minha emoção ao navegar pelo Velho Chico. É tanta beleza! mas tanta beleza! que é impossível nada dizer. E hoje, infelizmente, nas águas do Velho Chico, o ator Domingos Montagner nos diz adeus. Talvez sendo levado pelos mistérios daquelas águas, que só Deus  é capaz de revelar. 




Imagem: Google.