Sertão
Meu sertão tem formosura
Sua vista é uma doçura
Encanta qualquer criatura
Deixa manso a bravura.
Seu quintal é infinito
O sol nascendo bonito
Os pássaros trinam seus hinos
E no terreiro os cabritos
Pulam, escamuçam, correm
Mamam na teta da cabra
Os cordeiros semelhantes
Balindo pela alvorada
Os bezerros já mugindo
Chamando a vaqueirada.
E o galo da campina
Trina no Pereira oco
O rouxinol também trina
Fazendo aquele alvoroço
O sabiá, o anum
Orquestrando um grande esboço.
Assim é o amanhecer
No meu sertão cearense
O galo chama as galinhas
Pra viver grande suspense
Mais tarde lá no paiol
Botam ovo mui contente.
E o café da vovó
O melhor lá do sertão
Ora vem com tapioca,
Buruaca ou requeijão.
Ovo frito na manteiga,
Cuscuz pisado ao pilão.
No calor do dia tem
Na varanda enlarguecida
Rede armada pra deitar
Enquanto baixa a barriga
Um sono tranquilo vem
A gente esquece da vida.
É o almoço que é farto
Deixa a gente amolecido
Capote, galinha cozidos
Ou um leitão bem servido
Depois de uma mesa dessa
Todo cochilo é bem vindo.
À tarde o sol esmorece
As sombras enfeitam o chão.
Os animais já retornam
Da longa vegetação,
Pra repousar bem seguros
Sob os olhos do patrão.
O sol mereja na terra
Ameaçando sumir,
As arribantes voando
Para o lugar de dormir
E as galinhas ao puleiro
Já começam se subir.
A lua cedo aparece
Espanta a escuridão,
Antigamente se lia
Romance do coração
Pra toda rapaziada
Que prestavam atenção.
Também contava anedota,
Fazia-se adivinhação,
Brincava de cai no poço
Preparando o coração
Timidamente uns e outros
Faziam revelação.
A meninada brincava
Também de se esconder
Os pais iam conversar
Do que na vida fazer
Mas toda essa maravilha
Deixou-se pela TV.
Ah, quem me dera morar
Nesse Eden sertanejo
E fitar pelo dezembro
O fogo do relampejo
Anunciando a chuva
Que vai chegar em janeiro.
Tendo vacas amojadas
Com crias para nascer,
O leite pra dar cualhada
E queijo para fazer,
Leite pra fazer mingau
Pro meu gorducho bebê.
À noite com a morena,
Depois que as crias dormir,
A gente ia brincar
Das brincadeiras que aqui
Não posso nem detalhar
Pra meus leitores não rir.
É mais ou menos assim
A vida lá do sertão
Trabalhando sola sol
Pra arranjar os tostão
E de noite paquerar
Quando se é garotão.
Ô vida boa de se viver, meu siô.