O AGRESTE É ASSIM.
Eu sou do agreste onde a vida é sortida de um tudo,
Aqui tem caminho pra todo lado
E todo caminho dá sempre na casa de um amigo.
Amigos agrestinos devotos da amizade
E de causos cheios de sabedoria popular.
Aqui o agreste se estende em ladeiras
Que descambam nas quitandas das esquinas
Com calçadas altas e retas.
O agreste sopra muito frio
E a água que cai da pingueira serve pra beber.
O agreste é servido de mistérios
E de fantasmas desordeiros.
Aqui o compadre é poeta
O umbuzeiro é sagrado
O baião é de dois
E o vinho de jurubeba.
O agreste promete os sons
Dos cascos de uma boiada
Trotando pelos lajedos
As cinco da madrugada
E um mexer sem parar
De açúcar para adoçar
Um prato cheio de coalhada.
As terras do agreste são brancas como leite da mimosa
É terra é areia é chão,
Chão das batatas dos milhos , do capim elefante,
Do feijão de corda, do aveloz da mandioca, da melancia
Do maracujá e da jabuticaba.
Da sempre-viva da boa-noite, da vassourinha de botão
Do hortelã e do mastruz.
No agreste o lavrador anda inocente
As vezes abandonado de si mesmo
Fumando na palha e olhando as novilhas
Que se misturam a sua própria natureza
O vento sopra areia que enche as cavidades das pedras
Que só por safadeza levanta as saias das mulheres
Que vem carregadas com balaios de pitombas.
No agreste guando é inverno o vento sopra como uma flauta
Sopra um canto miúdo de passarinho cantador
Sopra em riba das casas
Embaixo do cobertor
Assobia bem fininho
É vento frio e mansinho
Que unta toda a parede
Esfria o punho da rede
Rangindo no armador.
No verão uma carreira de aveloz
Dá sombra pra quem passar
Sombra de descanço sombra de mormaço
Sombra de pouso dos xexéus
Das galinhas siscaderas
É sombra de estimação dos bodes pais de chiqueiros.
O verão dá de oferenda ao agreste
A gema de um sol brilhante
Dá nuvens de tapioca
Se enche de espuma a fonte
Dá tardes mormas e vadias
Guando o sol quebra na barra
Canta na copa a cigarra
Por entre folhas macias.
Num cumprido de um caminho
Bem dizer uma tira de areia
Vem de lá Celestino caipira
Portando chapéu de palha
Recendendo a banana madura
Presas em cachos pelos ombros.
Ombros que levam o chuvisco da madrugada
Ombros que seguram a alegria da prole
E que sustentam o aguado das tristezas
Mas descança nos ombros a floração adocicada do agreste.
O agreste é de um todo colorido,
Tem o amarelo das jacas maduras
O verde dos maturis, o vermelho revelado no corte da melancia
O agreste tem ate o branco do dia,
E o preto das jabuticabas
Tem a cor das gengivas das goiabas
E o azul de um céu abençoado
Tem o cinza do boi lá no cercado
Tem o caqui nas cascas do juá.
Os meninos do agreste correm soltos
Tal e qual enxurradas na ladeira, brincam com quase tudo
São meninos com quase nada,mais não importa eles correm
E riem como se a vida lhes fizessem cócegas e ficam fascinados
Diante uma vitrine de confeitos.
São devotos do tareco e da mariola da bolacha "mata fome"
E do pão doce que lhes enchem as bochechas.
São meninos da alma cheia de saúde.
Dá pra se escutar o louvor dos passarinhos silvestres
Os lambus do pé roxo, as codornas
E o cantar da perdiz vem da garganta do agreste
Um cantar da natureza.
Assim é que é o agreste
Casa dos lavradores, das mulheres lavadeiras
E das moças com potes d'água das benzedeiras e parteiras
Dos herdeiros aqui nascidos
E do roçado cheio de capuchos de algodão
O agreste é um arraial de ouro
Polido pelo o Ouvires
É como se um arco ires
Tingissem as terras daqui
Tem os terreiros guardados
Guando os cachorros acuados
Dana-se o pau a latir.
Tem seu Orico da venda
Que ainda vende fiado
Os mantimentos de feira
E recebe no combinado.
Vai querosene na lata
Farinha e rapadura
Vai um toucinho embrulhado
Chorando o papel em gordura
Vai mais dois quilos de charque
Pra timbumgar no feijão
Vai uma garrafa de pinga
Pra se casar com o limão
Vai bolo de mandioca
Com o miolo branquinho
Vai tudo assim apinhado
Num burro vei macriado
Trotando pelo caminho.
Êh agreste de um vento manso
Que guando bota a zunir
Fecha as florzinhas do mato
Fazendo elas dormir.
Em cima de uma ribanceira
De um barreiro encardido
Eu imagino um altar de junco e aveloz
Água benta numa cuia
Já esborrando de cheia
E no oratório silvestre
Um anjo aqui do agreste
Com um relicário de areia.