CHEIRO
Pela minha janela aberta vem me saudar o perfume das flores de manga...
Doce, forte, inebriante como a noite que se aproxima.
Aspiro esse cheiro de passado, de infância...
Cheiro de liberdade... cidadezinha do interior... quintais enormes
Fins de tarde avermelhados... dourados...
Quando a brisa sopra leve, buscando o colo das serras solitárias.
Uma lua faceira tenta aparecer no céu escuro...
Lua minguante... cheia... nova...
As águas do rio se aquietam entoando hinos...
Vão lavando o silêncio e abençoando a solidão dos pastos.
Um pássaro noturno sobrevoa as mangueiras...
O sino da velha igreja parece ter vida própria
E suas badaladas enfeitiçam o silêncio da noite vindoura...
Cheiro de jantar... mesas fartas... crepitar de chamas
Crianças encolhidas sobre o banco enorme... aguardando as horas.
De repente alguém me chama...
Aos poucos vou retornando à esse corpo já cansado...
Vou liberando as recordações e retornando ao hoje...
Mas o cheiro de flor de manga ainda permanece no ar...
Pela janela ainda vejo a mangueira enorme, toda florida...
Mas é tarde...
Preciso retomar o instante...
Desprender-me daquela menina romântica...
Daquela mocinha sonhadora que ainda me segura pela alma...
E definitivamente ainda habita em mim.
Basta sentir o cheiro da flor de manga
Ou ouvir um sabiá na manhã...
Que ela vem toda sorridente e saudosa
Possuir meus pensamentos e adormecer meus medos!