DOR NA MATA
Canta a velha Juriti,
Um arrulho, um chiste cheio de graça,
Um silvo que exalta a alma
Da mata,
O silencio cochila, va paz da floresta tropical
Onde a primavera faz seu refúgio
Quando não é seu tempo de reinar
Tão densa a floresta, nem o sol ousa penetrar
Léguas de massa verde adensadas
A umidade avolumada, o calor do sol esfriado
O vergel dos troncos tortos, cobertos pelo cipoal,
As árvores velhas semi mortas, floridas de trepadeiras,
O pau seco apinhado de musgos
Que mais parece um totem da natureza
Aquelas árvores cumpridas, cheias de força e vida
Contrasta com as outras retorcidas que tem buracos no tronco
Parecendo um tumor
Há as parasitas roubando a seiva
Entrelaçando-se nas árvores, voluptuosas,
No chão um grande acumulo de folhas
E as eternas samambaias criando uma saia
Verde sobre o solo
Tudo isto numa harmonia, que só poderia
Ser feita pelas mãos carinhosas do tempo e da natureza
A folhagem vertiginosa, contribui para o aumento das sombras
Dissipando o calor e fazendo da floresta um lugar calmo e aprazível
No meio desse bioma riquíssimo
Um gigantesco Jatobazeiro se destaca
Com suas raízes enormes saindo fora da terra
Como nervos gigantes em exposição
Parecem troncos sobre a superfície avançando pela terra
Alicerces de uma estrutura colossal
Seu tronco vigoroso, guarda as marcas das onças
Que nele afiam suas garras
Que grande universo é a mata!
O silencio porém é quebrado, de repente
Pelo grito assustado da enorme Jacutinga
Grito que é seguido por outros pássaros
Há tensão na mata
Uma pomba voa com estardalhaço,
Um homem se aproxima, no vale das árvores gigantescas
A mata parece olhá-lo para ele, do alto
(As árvores têm um olho na copa, há 70 metros de altura de onde veem o mundo)
O homem minúsculo, no entanto, tem um machado na mão
Ele limpa em volta da grande árvore, corta o mato fino
Faz um rápido roçado
E começa um estranho ritual
Dá um golpe no tronco, pláct
Mais um e mais outro
Um pedaço da casca, voa
Mai golpes..pláct...plact e mais um cavacos voam
Os golpes agora são ritmados, o barulho ressoa na mata
Logo aparece o lenho cor de rosa da grande árvore,
Mais outro golpe e outro e outro mais
A grande árvore acusa os golpes e as folhas do alto tremem
As outras árvores, ainda sonâmbulas, olham sem entender
O que faria este pequeno ser no pé do grande Jatobazeiro?
O movimento ritmado do machado continua
Um golpe após o outro
Forma-se uma boca medonha no tronco
Cavacos de árvore salpicam o chão,
Respingam como gotas de sangue
Os ataques do machado afiado continuam a ecoar nas redondezas
Que ente estranho o homem! Pensam as árvores.
A fresta no tronco vai aumentando
Cada golpe do machado, um novo tremor
Agora o machado invadiu a metade do tronco
A boca enorme é abissal
Uma fenda de 50 centímetros aberta e aumentando
O machado sujo de sangue, corta a carne central da árvore
Cada golpe, caem cavacos ainda maiores
Pedaços da árvore são arrancados
A floresta cifrada amplia o eco
Todos ouvem as machadadas
Plact..pláct, ninguém entende!
Que grande cratera no tronco, temos agora!
O machado bate primeiro na transversal
E no segundo golpe na horizontal, aparando a tora
Vai aparecendo um toco reto no tronco,
Pláct..pláct...como é implacável!
A gigantesca árvore parece gemer e toda floresta treme
As árvores parecem aflitas
Como pode este pequeno ser, fazer isso?
Árvores menores e os arbustos espinhosos se revoltam, parecem dizer
- Pare seu desgraçado, porque cortas uma de nós!
- Porque Deus não quebra este machado?
Mas o homem indiferente segue cortando
A sensível banana de macaco, chora!
As dormideiras murcham
Agora, se ouve.. um estalo aterrador
Algo que assusta a floresta toda
Com mais de 60% do tronco consumido, o Jatobazeiro
Começa a tombar. Um estalo rompe o lenho ainda não cortado
Ela pende pro lado lentamente, mas cai devastadoramente!
Um estrondo de dor rasga a floresta,
Pedaços de galhos voam estourados
Árvores menores são arrebentadas no meio
Caem ao chão esmagadas sob um peso aterrador
Aumentando a explosão e criando um grande torpor
Os cipós, colar das árvores, estouram,
Tudo em volta se estraçalha
São mortalhas sobre a árvore derrubada
Uma fenda, um clarão, se abre na mata,
A floresta está atônita, pássaros gritam em desespero
Que lástima, que instante de terror!
O gigantesco Jatobazeiro de 75 metros de altura,
Está inexoravelmente, morto!
200 anos se sucumbem, deitam-se ao chão, num segundo
Aos pés do pequeno homem sem sentimentos!