UM DIA DE PRIMAVERA NA VIDA DE UM RIO
O meio-dia desabrocha,
morno, langoroso,
com promessas de estio.
Quando a tarde se avizinha
rompe-se a quietude, tão breve,
e, ao sopro da brisa leve,
ao longe, encrespa-se o rio.
A tarde nascida
leva consigo a vida do Sol.
Branca figura,
uma nuvem logo se esfuma...
O rio ondula, brincando,
e as ondas se alegram
em sorrisos de espuma...
Mas eis que do leste
desponta o cavaleiro vento
a afugentar branduras,
cruel e rude, violento,
obstinado, tirânico e sem medo,
em galope apocalítico
a sacudir, pelas comas, o arvoredo.
O rio se turva, agitado
em seus primeiros acessos de ira
e as próprias ondas atira
na branca areia da praia.
Para os lados do poente
prepara-se a apoteose
para a morte do sol.
Nuvens de tons róseos e lilases
correm ao acaso
para acudir a tarde que desfalece...
Sob o dossel luminoso
o sol agoniza, desaparece...
e se amortalha em cores
de vermelho, glauco e amarelo.
Ao réquiem do crepúsculo, anoitece...
Quando surge a lua
na sua cândida brancura
contempla a loucura
da ventania retalhando o mar.
E, abraçado ao vento, o rio
brame, ofega, estruge, imitando o mar.
A meia-noite enche-se de sombras
que a música wagneriana do rio
rege num fantástico balé.
A lua ora se entristece
sob nuvens apressadas, fugitivas,
ora em sua nudez de prata,
clara, sorridente, resplandece.
Quando a madrugada chega
com seu cortejo de horas mortas,
o vento ainda violenta janelas
e sacode portas.
Mas logo, exausto da refrega,
fraqueja, cai...
e à morte, afinal, se entrega.
Então, da corola da noite
abre-se a alvorada
a embalar o cansado rio.
O céu boceja oferendas de luz
e o perfil dos montes borda
em tela no horizonte desenhado.
A paisagem, sonolenta, acorda...
O rio dorme um sono de menino
entre lençóis de brilhos e de cores.
Ergue-se, então, a cortina do mundo
ao esplendor do sol que nasce!
E a onda, sem força de quebrar-se,
na beira da praia
descansa a face.
A manhã ensolarada encobre o rio
com revérberos de ouro
e sacia de azul todo o céu vazio.
Quando a tarde se avizinha,
rompe-se a quietude, tão breve,
e, ao sopro da brisa leve,
ao longe, encrespa-se o rio...