Farol
As ondas lá adiante
acariciam a página de areia,
alisando-a com suas
líquidas mãos doces
e vêm banhar esta
página de papel em minhas mãos,
tingindo-a com sua
úmida mensagem
de vem e vai,
como das linhas movendo-se
diante dos olhos:
esquerda-direita-esquerda...
Molhando a superfície
branca de tabula rasa
e registrando os versos
quase que espontâneos,
que jorram do papel
como um spray de pimenta,
mas que só ardem nos olhos
como o sal da saudade:
lágrimas de luz em negras letras
carimbando a mente
de imagens vívidas
de passado e presente,
de pedras e Ilha,
Ilha do Amor, rochosa
ilha misteriosa, agreste verde-negra
Ponta do Amor:
exótico oásis de beleza
em multifacetados pixels
enfeitiçando os olhos enamorados
e alegrando os ventos a favor
nas velas deslizando
(nas baías do Marajó
e do Sol), trazendo-as presas
como uma magnética
tarrafa afrodisíaca.
Lá fora, fundeados na barra,
os navios graneleiros admiram
a fileira ordenada dos juruzeiros
que amenizam os ventos
e barram apenas um pouco as areias
da invasão do calçadão, da ciclovia,
da Avenida Beira-Mar e dos casarões antigos,
chalés do Ciclo da Borracha,
e para onde os banhistas fogem
do sol abrasador, sob o bem bom
das acariciantes sombras amenas.
Os anfíbios aviões Catalinas,
que vez por outra repousavam
das longas viagens nestas águas,
hoje repousam apenasmente
nas reminiscências nevoentas
de um longínquo outrora,
aprisionado no agora na memória
dos mais velhos, cujas vozes
não seduzem mais os ouvidos
dos mais jovens, ocupados
por demais na volatilidade
do espaço-sem-tempo
do ego-cá-hoje-meu...
E na noite de breu da baía,
o Farol acende seu olho solitário,
e único, de ciclope, vermelho
foco de luz, pulsante, a competir
com os dois sangrentos olhos
da boiuna, descansando
ali, bem na ilharga da ilha.
Praia do Farol dos chalés seculares,
testemunha inerte da mudança
indelével dos tempos históricos:
de terra-mãe indígena, usurpada,
à freguesia; de freguesia à Vila
e a distrito; mais tarde, point
turístico de banhistas
(anônimos ou afamados),
paraíso dos esportes náuticos...
Daí, tudo em direção a um tempo
que esculpe um futuro
em ruínas, migalhas e cuís
de um passado rememorado
em chuviscos nostálgicos,
intermináveis como estas areias
em meus olhos ardendo
divisando vultos
entre as traquinagens
dos irmãos farahzinhos
e as inocentes peraltices
de uma moleca em suas brincadeiras
ali perto do Hotel Farol...
... E a maré vaza na página
de areia e pinga bem aqui
quedando da folha de papel,
tabula rasa novamente
na mente deste poeta-leitor,
que só contempla
a paisagem de solitude
nesta manhãzinha
azul na praia do Farol,
ausente de gente, só,
só como eu, eu-só,
a divisar no horizonte da baía
imaginárias Catalinas,
levando em suas asas
os vestígios tênues do já-ido,
de um tempo já quase sem volta...
Talvez despedaçado...
Talvez irreconstituível...
Mas que ainda insisto em apanhá-lo
com estas frágeis mãos. (E letras!)
Nada mais vão. Tudo parece vão...
E em vão.