Ode irônica e poética à ideologia do crescimento ilimitado - Uma glosa heterodoxa à glosa de Fernando Pessoa

“O orangotango eterno de Dee, munido de uma pena resistente, de tinta que bastasse e de uma superfície infinita, acabaria escrevendo todos os livros conhecidos, além de criar algumas obras originais” – Luis Fernando Veríssimo em “Borges e os Orangotangos Eternos”, 2000

“It has been said that the probability of a monkey typing Hamlet is infinitesimal. But the probability is not just low; it is zero. And less than zero, if there was a chance of the monkey succeeding, then that would mean Hamlet is just one probability among billions, which is stupid. It is the dream of the statistical cretins that, by exhausting probabilities you can end up producing Hamlet. But this is unthinkable: Hamlet is not of the order of probability. It is both radically improbable and quite necessary. Similarly, the probability that the world should be as it is is not just minuscule, but zero, and not even zero, since it has no sense. The world is what it is, and that is all there is to it. And such as it is, it is of the greatest necessity. The probability that it might be different or that Hamlet might not have existed is the only chance left for the second raters to reinvent it on their computers. Or rather, the only chance left for monkeys. (I have nothing against monkeys; this is a metaphor).” – Jean Baudrillard

Lembrei-me destes trechos ao ler que foi a glosa de uma quadra de Augusto Gil, o primeiro poema publicado de Fernando Pessoa (no jornal, “O Imparcial”, de Lisboa, em 18/07/1902). Escrita em 31/03/1902, a Glosa de Pessoa oferece cada verso da quadra de Gil como verso final da cada estrofe.

Talvez um orangotango não só a pudesse ter escrito, mas também aumentado infinitamente. Agradeço a meu invejado Veríssimo e a Baudrillard que, ao aventarem a possibilidade de um primo evolutivo fazê-lo, me concederam a dose de energia e disposição a tentar que me faltava para, não só aumentar o poema de Pessoa, mas também reordenar estrofes e versos. Da glosa ao poema à minha “Ode irônica e poética à ideologia do crescimento ilimitado”.

Agradeço a Augusto Gil e Fernando Pessoa, pelo empréstimo das estrofes. Peço perdão pelo resultado, mas lembro que só me antecipei ao Orangotango para facilitar a vida do símio; ou talvez, inconscientemente, para desdizer Baudrillard.

Teus olhos, contas escuras

Que o Sol tenta amplificar

Ninguém sabe o que procuras

Ninguém ousa especular

Só podem me consolar

Com falsas conjecturas

Sem ao verde mais amar

Abstêmios de amarguras

Quando sentir penas duras

Dos males há de lembrar

O das decisões obscuras

Que não as pode mais tomar

Quando a dor me amargurar

No viver em tal lisura

Amarei o Sol, o Mar

E seus olhos, com ternura

São duas Ave-Marias

De harmonia e paz, refletores;

Não são armaduras frias

Que refletem duros e dores

Esses olhos sedutores

Encasulam avarias

Metamorfoseando-as em flores

Honrando crianças e dias

“Não há sombras de ironias”,

“Não há tempo p´ra temores”,

Mirando a fumaça dizias,

Desprezando os dissabores

Deles só brotam amores

Teístas de teleologias

“Os fins dos bons vencedores

Desprezam más letargias”

Dum rosário de amarguras

Mártires ousaram rezar

“Não crescer em vãs loucuras,

Poluir não é amar”

E as contas todas rezar

Refletindo com candura

Novas formas de ganhar

Sem precisar de armadura

Fazem-me sofrer torturas

Os seus olhos a clamar

Contra o das decisões obscuras

Me impelem a lutar

Mas se a ira os vem turvar

De que valem amplas leituras?

Seres a entelequiar

deuses em demiurguras

Que eu rezo todos os dias

E aos demônios digo: “não”

Ao de Laplace, aos das Marias

Eudemonismando a religião

Numa fervente oração

Recorro a etologias

Juntando emoção e razão

Integrando Ecologias

Peço pra ti alegrias

Protagonismo e ação

Olhos com sabedorias

Espelham, em armaduras, irmãos

Ou se os alaga a aflição

Notando, nos irmãos, apatias

Augustas Pessoas, em união

Rezarão todos os dias

Ode irônica e poética iniciada, na rede, procurando estrelas cadentes, em 10/02/2012; e concluída na praia, esperando o pôr-do-sol de 20/02/2012