Suplica
Súplica
Entre o planeta azul, que sempre fui,
E a paisagem cinza que já quase sou,
Muito do meu verde deixou de existir
Diante do olhar indiferente do homem.
Meus rios agonizam lentamente
Envenenados entre bancos de areia;
São restos mortais que sobraram
Daquilo que antes era uma volúpia azul
Das minhas águas frondosas
Que hoje já não correm, apenas rastejam.
Minhas matas se foram...
Não houve raízes o bastante
Para impedir a força das lâminas,
Que desnudaram a minha carne
E a revestiram de pedras e concreto.
E como se não bastasse a carnificina vegetal,
Sinto-me cada vez mais impotente,
Quando sangram as minhas veias
E arrancam minhas entranhas,
Para irrigar canteiros que jamais darão flores.
São canteiros para cultivar a fome do capital,
Na sanha incontrolável do homem
Em busca da riqueza e do poder.
E nessa busca, meu solo é regado
Pelo suor dos rostos anônimos
Que se arrastam sob o sol,
Defendendo o pão de cada dia
Apenas com a força das mãos,
Cortando os verdes vales da minha terra,
Com golpes de foice e facão.
Hoje ainda vejo andarilhos pelos caminhos,
Farrapos humanos sem destino,
Esmolando por um pedaço de chão.
Sou a mesma dádiva de terra
Que Deus estendeu a todos os homens,
Mas onde apenas poucos me escravizam,
Fazendo-me refém de suas ganâncias.
As máquinas do futuro me dilaceram,
Ocupando espaços do meu corpo
Que a razão do homem enxerga como vazios.
E vão traçando limites hemisféricos,
Dilacerando as fontes do meu sustento,
Enquanto me transformam num esboço cadavérico.
Às vezes, a dor me obriga a gritar por socorro,
Mas ninguém ouve, não adianta...
O homem acostumado a enfrentar
O tremor que invade o meu corpo,
Tornou-se insensível à minha agonia lenta,
Quando a revolta ferve no meu peito;
Tornou-se cego enquanto morro de sede
E não vê que as minhas águas,
Já não são mais do que lágrimas,
Dos meus poucos olhos que ainda podem chorar;
Tornou-se surdo para os meus gemidos
Dessa dor sufocante do respirar de cinzas.
Mas há de chegar a hora em que eu,
Planeta terra ainda sobrevivente,
Ainda consiga fazer algum gesto diferente,
Capaz de fazer o homem ouvir minha súplica,
Pedindo um basta para essa violência bruta,
Contra esse corpo tão cheio de cicatrizes
Que o tempo cuida toda hora de secar.
Cada marca desse tempo
É uma gota de saudade
De uma árvore que tombou;
De uma flor que não abriu;
De uma mata que queimou;
De córregos que já não correm;
De rios que agonizam;
De animais que se foram;
De um mar que mudou de cor;
De paisagens que não existem mais.
Eu quero ainda ser o berço da humanidade,
Embora me condenem a essa paisagem estéril.
Deus não há de permitir que no universo,
De repente surja entre as estrelas um espaço frio,
Onde a origem seja o retrato de um homem tão perverso,
Capaz de transformar seu próprio mundo,
Num espaço eternamente vazio.