O ESPELHO-CHUVA
Eis que o primeiro pingo beija o parapeito de minha janela aberta:
Cheiro de chuva!
Estendo a mão:
Gotas frias acariciam meu corpo quente.
Do parapeito, minhas narinas dilaceradas:
Duas crateras olfativas que transformam em odores doces
o que o corpo vê e os olhos sentem.
Denunciam-me a ti:
falta ti em meu eu!
Encharque-me
com toda suavidade da chuva fria.
Não poderiam ser outros apaixonados, senão esta fria-chuva
e estes incendiários olhos.
Quando olho no espelho-chuva, que vejo eu?
Na água, vidro que separa ilusão e realidade,
é como se fosse outro eu observando-me.
A imagem do espelho-chuva contra o sol! Ah, sol...
Toda eu, só eu em meu eu sou eu...
Um retrato disforme na tela, Inacabada chuva.
Só a chuva para apagar o eu-sol.
E tudo isso, vendo a chuva, meus olhos desabrocham:
Desejos inconfessáveis, vontades insanas...
Te vi , me vi em ti, te vi em vão
Odores de gotas caindo no chão sedento:
Cheiro de amor! O fruto proibido: meus olhos são,
mas não sentem o que o corpo vê.
Langeli, 29/10/2011