O PROTESTO DO PERU E A LIÇÃO DO GALINHEIRO
Era perto do Natal,
Quando um peru justiceiro
Reuniu diversos bichos,
E do alto do poleiro,
Com seu poder de argumento,
Fez um pronunciamento
Para todo o galinheiro.
Disse o peru: “Meus amigos,
O Natal está chegando.
É festa pra todo canto,
O povo comemorando,
Mas pra mim é diferente,
Porque já tem muita gente
Por meu pernil esperando.
Temos aqui a galinha,
O galo, o frango, o capote,
Pato grande no chiqueiro,
Avistamos de magote,
Tudo gordo pra chuchu,
Porém, somente o peru
É quem vai pagar o xote!
Eu não sei que mal eu fiz,
Para morrer nesse dia.
Cristo defendeu a vida,
Fraternidade, harmonia...
Portanto, que mal fiz eu?!
No tempo que ele nasceu,
Peru tranquilo vivia.
Também não sei quem teve
Essa ideia triste e feia.
Tanta reza, mas ninguém
Tem dó da titela alheia.
Nos festejos de Natal,
O peru, que não fez mal,
É o cardápio da ceia!
E por que não a galinha?
Ou mesmo o pato opulento?
Ou o galo ou o capote,
Um precioso alimento?
Por quê?! Me responda, gente:
Por que o peru somente
Tem que morrer no momento?!”
Nisto todo o galinheiro
De repente se agitou,
Todo bicho resmungando,
Um falou, outro falou.
O peru se garantiu,
Silêncio a todos pediu
E depois continuou:
“Que tal, se a gente mostrasse
Para o homem outro plano,
Um projeto inovador,
Muito mais justo e humano,
De matar, daqui pra frente,
Sempre um bicho diferente
No Natal de cada ano?
Que este ano, por exemplo,
O Natal fosse com pato,
Outro fosse com capote,
Outro com galo no prato,
Até voltar minha vez.
Não acham todos vocês
Um rodízio bem sensato?”
Uma galinha atrevida,
Muito gorda e poedeira,
Ergueu a ponta da asa,
Toda bacana e faceira,
Sem nenhum acanhamento,
Pediu a fala um momento
E disse dessa maneira:
“Senhor peru, faz é tempo
No seu discurso eu reparo.
Porém, com sua licença,
Uma verdade eu declaro:
Fala demais, o senhor!
E por ser tão falador
Acaba pagando caro!
Por exemplo, agora mesmo
Uma coisa eu lhe interrogo:
Quando o dono aqui chegar,
Eu no silêncio me jogo,
Porque não quero morrer,
E o senhor, que vai dizer?”
Disse o peru: “Logo, logo”.
“Tá vendo, senhor peru?
Seu jeitão precipitado,
Além do mais, arrogante,
De bico todo empinado...
Deve ser por tudo isto,
Que na chegada de Cristo,
O senhor é devorado.
Por isso é que todo ano
O senhor vai pro buraco.
Pergunto agora ao capote,
Um bicho humilde e velhaco:
Quando o dono aqui chegar,
O que tu vais alegar?”
Disse o capote: “Tou fraco!”.
Foi tanto bater de asas,
Que o peru teve um abalo.
“E tem mais – disse a galinha –,
Preste atenção no que eu falo:
O senhor quem vai morrer,
Porém a missa vai ser
Para o meu marido, o galo”.
Foi outra salva de asas
Para a galinha atrevida,
Que voltou para o seu canto
Um tanto desiludida,
Sabendo que qualquer dia,
Por ser gostosa iguaria,
Também vai perder a vida.
E assim, fica o exemplo
Do peru pra humanidade.
Bicho grande e presunçoso,
Todo cheio de vaidade,
Atrás do pequeno corre,
Mas é quem primeiro morre
Na festa da cristandade.