O QUE ACONTECEU COM O NATAL?

Nos natais da minha infância
Não havia muita abundância
Nem de comida ou de presente.
Mas como era alegre aquela gente

Trocando abraços e carinhos.
Ninguém passava o natal sozinho.

A tristeza ali era proibida.
Se alguém abusava da bebida
Uma cama logo se improvisava.
E ali mesmo, babando, se deitava
O inoportuno e chato beberrão.
Quando acordava era aquela gozação.

A mesma coisa todos os anos...
As conquistas, os desenganos,
O plano que não deu certo,
A sorte que passou por perto
Mas não parou na nossa casa.
Para a tia, o marido que não chegava.

E o vovô que vivia reclamando
Que seu dia estava sempre chegando,
E falava com toda certeza:
“ Este é meu último ano nesta mesa”.
Falava como se estivesse no finzinho.
Mas o que queria era só um carinho.

Era aí que o neto caçulinha
Ia afagar a carequinha
Do nosso falso moribundo.
Ele então suspirava fundo,
E com o olhinho bem brilhante
Soltava a rolha do frisante.

Todos gritavam e aplaudiam
Batendo as taças que se erguiam
E até mesmo quem não bebia
Naquela farra se envolvia
E dava um bico naquele vinho.
Mesmo que fosse só pelo gostinho.

O perú assado na padaria
De sobremesa a melancia;
O espaguete e o canelone
As castanhas e o panetone

Eram coisas que não faltavam.
Era pouco, mas sempre sobravam.

Quando a meia-noite chegava
Era a luz elétrica que se apagava
E uma velinha era acesa
Num candelabro sobre a mesa.

Os sinos começavam a repicar;
Então era a ora de rezar.

De mãos dadas, a nossa gente
Formava então uma corrente
E começava uma oração
Depois cantávamos uma canção:
Noite Feliz ou Batem Sinos
Saudando o Jesus Menino.

Com os pequeninos já dormindo,
Os adultos iam se abrindo
Com a bebida que rolava.
No fim sempre alguém brigava,
Por conta de um mico do passado
Que não deveria ser lembrado.

Mas logo os brigões se acalmavam,
E um ao outro se abraçavam
Como se tudo fosse brincadeira.
Afinal, era apenas a bebedeira,
Dizia o tio filósofo: “pega leve:
O que bêbado fala não se escreve.”
 
E era verdade o que ele dizia
Porque logo tudo se esquecia
Com a troca das lembrancinhas.
Coisas pequenas, baratinhas,
Para o adulto e a criança
Pois o que valia era a lembrança.
 
Agora, da minha janela apagada
Em meio à cidade iluminada
Contemplo a luz de um barracão
Onde os meus netos hoje vão

Para curtir uma balada.
Sem pernil nem rabanada;  

O vovô sou eu agora;
E com toda a família fora
Para quem vou fazer beiçinho
Para ganhar um agradinho?

Então me pergunto afinal:
O que aconteceu com o Natal?