NATAL NO PAGO
NATAL NO PAGO
O Seu José da Silva Carpinteiro
e Dona Maria Betânia Nazaré
participam aos amigos que já é
a hora de nascer o seu primeiro
filho, que se vai chamar Jesus;
chegou o padrinho do Espírito Santo;
da Vila Paraíso veio o canto:
vinte anjos que lotaram o Aerobus;
o fazendeiro trouxe um maço de reais,
do vigário veio incenso de butiá,
mandou o prefeito mirra e manacá;
mas o presente que ele gostou mais,
para aquecer esses três corações,
foram pelegos trazidos por peões...
NATAL NO PAGO II
Jesus Menino cresceu numa fazenda:
o Seu José montou carpintaria
num povoadito que tinha a sesmaria,
que o fazendeiro precisava da prebenda,
quando quebrava uma roda numa senda,
quando o telheiro das galinhas se rompia,
quando um novo alambrado ele queria,
quando se abria na porta qualquer fenda;
o Seu José morava de favor,
mas era com a família mantenido
a consertar as carroças dos feirantes;
juntou uns pila, sempre com honor
e por todos os ranchitos era tido
como um dos moradores importantes.
NATAL NO PAGO III
Jesus cresceu sem muita liberdade:
ajudava o Seu José pela oficina,
Dona Maria lhe mantinha firme a crina,
buscava água na sanga em tenra idade,
cortava lenha no mato; na verdade,
só brincava aos domingos, quando a sina
não trazia um dos padre e a casuarina
testemunhava a missa sem vontade;
aprendeu de carpinteiro toda a lida;
se não tinha serviço, a peonada
ia ajudar, tropeava na manada,
ajudava a marcar, logo em seguida,
hábil em tudo a que aplicava a mão,
capava touro que nem qualquer peão...
.
NATAL NO PAGO IV
Na juventude seu primo, o João Batista,
metido com os sem-terra, lhes pregava
meter fogo aos ocalito adonde andava...
Logo a polícia lhe pegou na pista...
Mas muita gente o Primo João alista
e numa sanga em que ele se encontrava
apareceu Jesus, ver se escutava
sua pregação; e logo o andejo avista:
usava um xiripá e dois pelego
amarrados nas costas e comia
só gafanhoto quando não melava...
O Primo João, pelo sol já meio cego,
deu-lhe um banho na sanga e lhe dizia:
"Tu és o cara, tchê, que eu esperava!"
NATAL NO PAGO V
Mas o Batista derrubou uns alambrados,
fez carnear umas ovelhas e queimou
um capão de ocalitos, que plantados
tinham sido pela mão do próprio avô
da dona dessa estância... Dispersados
foram seus seguidores, que juntou
o fazendeiro uns capangas malcriados,
tocou os outros e o Batista degolou!...
Foi então que o Jesus saiu dizendo
que isso não era certo, que essa guerra
feita em tempo de paz, ia acabar!...
Sua mãe viúva no ranchito foi vivendo,
Jesus foi rezar missa pros sem-terra,
querendo o pampa todo reformar!...
NATAL NO PAGO VI
Porém Jesus, que era analfabeto,
foi à cidade com o Bispo conversar;
andou vivendo uns tempo com sem-teto,
mas foi na escola se alfabetizar.
O Bispo deu apoio, fez exames,
completou faculdade o bom Jesus,
fez concurso pro Estado, até tem Pames
e numa Páscoa foi pregado numa cruz!
Mas era só um treato salafrário: (*)
ninguém morreu; até os dois ladrão
tavam bebendo canha no outro dia!...
Jesus de Nazaré fez seminário,
foi ordenado e hoje faz sermão,
em que prega essa nova Teologia!...
(*) Teatro.
NATAL NO PAGO VII
A gente nota assim que é outro dia:
houve um Jesus que proclamava a fundo,
que o reino Seu não era deste mundo:
lugar das almas que para Deus queria.
Mas o Jesus de agora é doutra cria:
se interessa pela carne e pelo imundo;
é mais superficial, pois o profundo
para esse povo de hoje é sem valia!...
O que ele prega é muito mais concreto:
é bem verdade que a fé é a morte
se não tiver as obras, mas o pobre
sempre temos conosco, branco ou preto;
mas pouca gente consegue ter a sorte
de um churrasco no céu que nos recobre!
NATAL NO PAGO VIII
Hoje em dia, essa gente revoltada
só deseja estragar o que está feito:
não trabalha nem planta e põe defeito
na querência em tantos anos empreitada.
Pois Senado e Imperador de cambulhada,
só por mais votos, sorrindo com trejeito,
ainda apóiam esse povo sem proveito,
que apenas come e bebe e não faz nada.
Fico a pensar se o Patrão Velho da Invernada,
lá de riba das nuvens, faz questão
que assentamentos na terra recortada
desmanchem dos crioulos o potreiro,
carneiem as ovelhas e a boiada
abigeatem e a destruam por inteiro...
NATAL NO PAGO IX
Ou se o Jesus de ontem nos diria
que deveríamos largar a antiga trilha
de nossa terra, da pecuária filha,
para entregar os campos da magia
do velho andejo, do alambrador, da cria
do minuano, que a geada mesma ensilha,
da boiada que tropeava milha a milha,
nas campereadas de ardor e de energia,
para que fiquem assim abandonadas,
pelo pretexto de dar terra a quem não tem,
mas que não planta nem semente espalha
ou se o bom Deus nas nuvens algodoadas,
que manda o arco-íris para nós também,
não prefere abençoar a quem trabalha!
NATAL NO PAGO X
Agora cabe a ti, neste Natal,
tomar o teu partido, bem consciente,
pela nova doutrina dessa gente
ou se preferes o mais antigo aval.
É bem verdade, coisa natural,
a que o gaúcho assiste, indiferente,
que os campos de arroz,freqüentemente,
substituíram a pastagem por taipal.
As coisas mudam, é certo, meu amigo:
se encolhe o campo do crioulo antigo
e o tempo já passou da Farroupilha...
E quanto mais se ajuntam multidões
pelas cidades, mais as tradições
o povo lembra dessa velha trilha.
NATAL NO PAGO XI
O fato é que o gaúcho deste dia
não usa bota nem poncho, anda de carro:
toda essa antiga história que aqui narro
já se foi para o passado em que existia.
A charrete não mais enfrenta o barro,
carro de boi perdeu a serventia,
o herói antigo que a lembrança cria
só nos fantasmas da memória agarro...
Jesus se foi e é tempo de outra lida...
Para esta história não ficar comprida,
vou dar fim a esta série de sonetos:
Que no teu coração ideais secretos
se realizem ao longo de tua vida
e que inda vejas gaúchos nos teus netos.
William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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