MONÓLOGO DO NATAL
(Eu não gosto de você, Papai Noel)

 
Transcrição de um poema de Aldemar Paiva.  Visão natalina de uma criança pobre. 
 
             I
Eu, eu não gosto de você, Papai Noel.
Também não gosto desse seu papel
de vender ilusões à burguesia.
Se os garotos humildes da cidade
soubessem do seu ódio à humildade
jogavam pedras nessa sua fantasia.
             II
Você talvez não se recorde mais,
porque cresci depressa, me tornei rapaz,
mas um dia eu fiz-lhe um bilhete pedindo um presente.
E a noite inteira eu esperei, contente.
Chegou o sol e você não chegou.
             III
Dias depois, meu pobre pai, cansado,
trouxe um trenzinho velho, empoeirado,
que me entregou com certa apreensão.
Fechou os olhos e balbuciou:
“é pra você, meu filho, Papai Noel mandou”.
             IV
Alegre, e inocente nesse caso,
eu pensei que meu bilhete, com atraso,
chegara às suas mãos só no fim do mês.
Peguei o trem, limpei, ele partiu, deu muitas voltas...
Meu pai sorriu e me abraçou pela última vez.
             V
O resto eu só pude compreender quando cresci
e comecei a ver todas as coisas com realidade.
Dos seus brinquedos, Papai Noel,
Não há um que sobre
para a alegria de um menino pobre.
VI
Meu pai, pra não me ver desiludido,
foi longe pra me buscar um lenitivo,
roubando aquele trem do filho do patrão.
Um dia meu pai chegou em casa e disse à mesa:
meu filho, onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu quero  trocá-lo por outro na cidade.
VII
E dei-lhe o trenzinho quase a soluçar,
como quem não quer abandonar
um mimo que nos deu quem nos quer bem.
Eu disse com medo: “ Papai, por favor,
eu não quero outro brinquedo...
Por favor, Papai, não vá levar meu trem”!...
     
        VIII
meu pai virou o rosto e pelo rosto veio
descendo um pranto, um choro
que de tão puro e santo nem Jesus chorou.
Ele bateu a porta com muito ruído.
Mamãe inda gritou, mas ele não deu ouvidos.
Saiu correndo... e nunca mais voltou.
             IX
Depois de grande, eu soube que ele fora preso
e, como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia,
foi definhando, definhando, até que Deus, um dia
entrou na cela e o libertou pro céu.
             X

Por que você fez isso?
Por que Papai Noel?
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Aldemar Buarque de Paiva, alagoano (nascido em 20/07/1925) foi poeta, radialista, cordelista, teatrólogo e compositor em Recife (faleceu em 04/11/2014).  Compôs o frevo: "Pernambuco, você é meu", que deu nome a um seu programa radiofônico na Rádio Clube de Pernambuco.
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Aldemar Paiva
Enviado por Fernando A Freire em 24/12/2015
Reeditado em 24/12/2015
Código do texto: T5490285
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