NATAL DE UM GUERREIRO:
UM CANTO DE AMOR
É Natal e a guerra não cessa.
O século XX ainda começa.
Soldados entrincheirados, mesmo à noite.
Sombras de fuzis ainda visíveis de cada lado.
Qualquer disparo abrirá clarões,
qual trovões que denunciam o alvo inimigo.
Parada estratégica para um dormir
sob as armas engatilhadas.
Murmúrios de friorentos
corpos estendidos sobre a neve.
Frio intenso num momento de reflexão.
É Natal e a guerra não cessa.
Pensamento distante, voltado para minha casa
- família, namorada, amigos,
sim, muitos amigos -,
onde, por certo, um Natal de muita paz acontece.
Vontade de estar por perto, numa prece balbuciada.
Sei que estarão cantando uma canção bonita.
Aí, começo a solfejar
"O ! TANNENBAUN".
Bela canção natalina, conhecida de todos
ali comigo.
Dois soldados, ao lado, repetem o meu gesto.
Mais dez, mais vinte . . .
Todos cantam e se comovem, num crescendo.
E para meu espanto,
os soldados inimigos entoam o mesmo canto.
Grito: PAZ ! . . .
E, como um eco, todos respondem:
“QUE JESUS NOS DÊ A PAZ !” . . .
“NEM NO NATAL ESTA GUERRA CESSA? !”
Então, a Paz se faz na verdade dessa noite,
sobre cartuchos vazios, espalhados no campo de batalha,
lá nas trincheiras do entorno de Ypres, cidade belga,
onde uma enorme e centenária cruz
se encrava na terra como símbolo dessa trégua.
Amigos e “inimigos” se abraçam,
sem formalidades, sem estratégias,
e com pão dormido mais o sobejo de vinho nos cantis,
comemoram o nascimento de Jesus.
Em uníssono, entoam a mesma bela canção
que desperta o amor, o perdão e a reconciliação.
Um informal e histórico momento de PAZ,
como se esse evento significasse o fim da estupidez,
o apagar das chamas de todas as guerras.
Um encontro de irmãos que ainda desconhecem:
por que se autodestroem ?
por que se matam uns aos outros ?
“Inimigos”, se tornam amigos,
que se tornam irmãos.
Afinal, uma noite feliz nas trincheiras,
um sono reparador nas ribanceiras.
Pesadelos da guerra transformados em belos sonhos.
Sonhos esperançosos de Paz.
Evidentemente, uma atitude coletiva elegante
contrária aos interesses dominantes
– econômicos, políticos e ideológicos –,
que justificam e alimentam a discórdia
entre as duas partes beligerantes,
sem motivo odiadas.
No pós-Natal, então,
os poderosos determinam certas obrigações:
“É preciso alimentar o terror no lugar do amor”;
“Ressuscitar o ódio, o desprezo pelo outro, a violência e o rancor”;
“Esvaziar as imbecilidades amorosas e pacificadoras assimiladas pelos combatentes”;
“Banalizar a ideia do amai-vos uns aos outros”;
“Pregar que a vida do outro vale um prêmio para quem a tirar, para quem atirar”;
“Fuzilar de imediato qualquer soldado que se rebele contra a barbárie”. . .
Eu, desconhecedor das razões da matança,
sou um soldado rebelado,
justiçado,
considerado culpado do meu próprio fuzilamento.
Mero fato consumado.
Sei que,
mesmo com o exemplo desse nosso
abençoado Natal,
a guerra não cessa.
Guerras, na terra, nunca cessarão...
Porque,
mesmo com esse inapagável gesto de Amor,
os generais ainda se renderão a um poder maior:
é a sua missão, ou submissão.
Não mais voltarei à podridão e à solidão das trincheiras.
Preferi morrer,
ao invés de matar meus irmãos,
sem razão,
deixando na orfandade mil sobreviventes.
Doei, portanto, minha vida
em favor deles e por vocês:
fundamentado no Amor de Cristo pela humanidade.
"Prova de amor maior não há..."
Já é outro Natal e essa guerra não cessa.
Façamos, pois, uma nova trégua.
___________________________________________________________
Nota: texto inspirado na crônica COMEMORAÇÕES DO NATAL, publicada no Jornal Correio da Paraíba - e neste RL - em 14/12/2013 pelo poeta Damião Ramos Cavalcanti - presidente da Academia Paraibana de Letras.
Do filme TRÉGUA DE NATAL
(Joyeux Noel, Christmas Truce, Weihnachtsfrieden).
UM CANTO DE AMOR
É Natal e a guerra não cessa.
O século XX ainda começa.
Soldados entrincheirados, mesmo à noite.
Sombras de fuzis ainda visíveis de cada lado.
Qualquer disparo abrirá clarões,
qual trovões que denunciam o alvo inimigo.
Parada estratégica para um dormir
sob as armas engatilhadas.
Murmúrios de friorentos
corpos estendidos sobre a neve.
Frio intenso num momento de reflexão.
É Natal e a guerra não cessa.
Pensamento distante, voltado para minha casa
- família, namorada, amigos,
sim, muitos amigos -,
onde, por certo, um Natal de muita paz acontece.
Vontade de estar por perto, numa prece balbuciada.
Sei que estarão cantando uma canção bonita.
Aí, começo a solfejar
"O ! TANNENBAUN".
Bela canção natalina, conhecida de todos
ali comigo.
Dois soldados, ao lado, repetem o meu gesto.
Mais dez, mais vinte . . .
Todos cantam e se comovem, num crescendo.
E para meu espanto,
os soldados inimigos entoam o mesmo canto.
Grito: PAZ ! . . .
E, como um eco, todos respondem:
“QUE JESUS NOS DÊ A PAZ !” . . .
“NEM NO NATAL ESTA GUERRA CESSA? !”
Então, a Paz se faz na verdade dessa noite,
sobre cartuchos vazios, espalhados no campo de batalha,
lá nas trincheiras do entorno de Ypres, cidade belga,
onde uma enorme e centenária cruz
se encrava na terra como símbolo dessa trégua.
Amigos e “inimigos” se abraçam,
sem formalidades, sem estratégias,
e com pão dormido mais o sobejo de vinho nos cantis,
comemoram o nascimento de Jesus.
Em uníssono, entoam a mesma bela canção
que desperta o amor, o perdão e a reconciliação.
Um informal e histórico momento de PAZ,
como se esse evento significasse o fim da estupidez,
o apagar das chamas de todas as guerras.
Um encontro de irmãos que ainda desconhecem:
por que se autodestroem ?
por que se matam uns aos outros ?
“Inimigos”, se tornam amigos,
que se tornam irmãos.
Afinal, uma noite feliz nas trincheiras,
um sono reparador nas ribanceiras.
Pesadelos da guerra transformados em belos sonhos.
Sonhos esperançosos de Paz.
Evidentemente, uma atitude coletiva elegante
contrária aos interesses dominantes
– econômicos, políticos e ideológicos –,
que justificam e alimentam a discórdia
entre as duas partes beligerantes,
sem motivo odiadas.
No pós-Natal, então,
os poderosos determinam certas obrigações:
“É preciso alimentar o terror no lugar do amor”;
“Ressuscitar o ódio, o desprezo pelo outro, a violência e o rancor”;
“Esvaziar as imbecilidades amorosas e pacificadoras assimiladas pelos combatentes”;
“Banalizar a ideia do amai-vos uns aos outros”;
“Pregar que a vida do outro vale um prêmio para quem a tirar, para quem atirar”;
“Fuzilar de imediato qualquer soldado que se rebele contra a barbárie”. . .
Eu, desconhecedor das razões da matança,
sou um soldado rebelado,
justiçado,
considerado culpado do meu próprio fuzilamento.
Mero fato consumado.
Sei que,
mesmo com o exemplo desse nosso
abençoado Natal,
a guerra não cessa.
Guerras, na terra, nunca cessarão...
Porque,
mesmo com esse inapagável gesto de Amor,
os generais ainda se renderão a um poder maior:
é a sua missão, ou submissão.
Não mais voltarei à podridão e à solidão das trincheiras.
Preferi morrer,
ao invés de matar meus irmãos,
sem razão,
deixando na orfandade mil sobreviventes.
Doei, portanto, minha vida
em favor deles e por vocês:
fundamentado no Amor de Cristo pela humanidade.
"Prova de amor maior não há..."
Já é outro Natal e essa guerra não cessa.
Façamos, pois, uma nova trégua.
___________________________________________________________
Nota: texto inspirado na crônica COMEMORAÇÕES DO NATAL, publicada no Jornal Correio da Paraíba - e neste RL - em 14/12/2013 pelo poeta Damião Ramos Cavalcanti - presidente da Academia Paraibana de Letras.
Do filme TRÉGUA DE NATAL
(Joyeux Noel, Christmas Truce, Weihnachtsfrieden).