O QUE RESTOU DE PURO NO MUNDO
O QUE RESTOU DE PURO NO MUNDO
Diariamente ele saía
Surgia como inspiração
Ou ilusão:
Vestido de cores vibrantes
Vestido do vermelho e do branco.
Importava-lhe, sim, as cores
De uma, a vibração, a energia, a vida e a veemência
Porém, era do branco que lhe revestia as mãos que ele mais se dignificava...
A brancura absoluta das luvas, a brancura absoluta de espaços
Cobrindo a palidez insuflada sob a pele.
O branco, pensava, não se pode sujar,
E a palidez, bem, as luvas escondem...
Aqueles dias eram feitos de Tempo:
Havia gritos eufóricos, sorrisos, alegrias, gestos de crianças...
“ Mãe, lá está o papai Noel!”
E ele , logo, perguntava:
“O que você deseja , meu filho?”
“ Um i-pod”
Ele ria : modernidade indecifrável, pensava.
E olhava nos olhos das mães
Palidamente,
Indagando se poderia confirmar aos pequeninos
O recebimento do ‘ carinho’...
Papai Noel tem momentos assim
Em que não sabe o que responder a uma criança...
Mas suas mãos são tão puras, tão brancas,
Capazes de conceder espaço a tanta ternura
Que manchas de sujeira nos dedos das luvas
Justificam horas a esfregar, lavar, ensaboar, escovar...
Garantiu-se ao velhinho um mês integral de trabalho digno
Uma bênção humana a um velho desempregado
Uma bênção crística de voltar a estar e ser entre crianças
Mas na noite de Natal
O shopping não abre
Papai Noel pode voltar para casa de vez:
Desemprego,
Velhice,
Solidão
Abandono de cadeiras vazias e ceia, enfim farta, pelo fruto trabalhado.
A palidez de tudo que finda treme pelas mãos
Suja-lhe de ausência a veemência da vida.
Última noite
Resta a lembrança de seus olhos indagando às mães
O recebimento de carinho:
O menino recém nascido, ainda na brancura do céu,
Também deve ter momentos assim
Em que olha olhos pálidos e idosos
E não sabe o que responder a Papai Noel...
(Ao pisarmos neste mundo, só encontramos pureza. Nós mesmos somos fruto dessa absoluta pureza. E só estaremos vivos, se o sorriso de uma criança nos embarcar em eterna viagem.)