Bem sei que a poesia por si só deve se explicar ou, pelo menos, deveria. Entretanto, vou quebrar esta regra e fazer uma “nota explicativa” do poema “Uma noite chamada Natal”, que vai logo após este texto.
Quanto ao ano, eu não tenho tanta certeza assim, mas creio ter sido o de 1994. Naquela época, ainda era bancário e havia planejado passar o Natal em Santa Maria da Vitória, a quase mil quilômetros de Salvador (BA), como meus familiares e amigos. Não deu certo. A razão também não me recordo. Certo é que, por não buscar outra alternativa, me vi trancafiado num apartamento a ver o Natal passar lá fora, indiferente à minha solidão.
E aí, um turbilhão de pensamentos e lembranças vieram-me à tona e me vi menino à espera de Papai Noel trazendo minha bola de matéria plástica, de borracha, ou – num sonho mais ambicioso – um capotão, como chamávamos a tão desejada bola de couro.
Convém registrar que ainda sou do tempo dos meninos do interior que ainda criam em Papai Noel, cegonha, mulher-de-sete-metros, pé-de-garrafa, mula-sem-cabeça, pé-de-garrafa, caipora, romãozinho, lobisomem, nego d’água, alma penada, e tantos outros personagens folclóricos que não cabe aqui enumerá-los. Lembrando apenas que nada disso me traumatizou, me deixou mágoas, e nem a meus contemporâneos.
Pois bem, como já sei qual o antídoto para estes momentos, digo, para estes males, escrevi o poema “Uma noite chamada Natal”, que me libertou do cárcere e me levou à Santa Maria da Vitória, a uma bela manhã, após a noite natalina, para confraternizar e partilhar com meus amigos os presentes recebidos do bom velinho.
UMA NOITE CHAMADA NATAL
Quatro formidáveis paredes me detêm,
Prendem-me o corpo físico, inerte.
Porém, a vontade incontida de voar
Leva-me a mundos imaginários:
Vou até Pasárgada, de Bandeira, e
Encontro, sem esforço, a mulher
Que quero do sonho não sonhado.
Tudo é tão rápido quanto inexplicável
Porque o tempo aparentemente gasto
Não cabe no transcorrido tempo material.
A viagem é estranhamente bela
Porque me deixa nos olhos da vida
Um agridoce gosto de saudade.
Volto aos Natais de um sapato de couro:
Tão duro, surrado e sem brilho,
Debaixo de uma cama de molas espirais
E colchão de junco: artesanal, xadrez,
Cuidadosamente, confeccionado,
À espera de uma bola de matéria plástica.
Mas os dias são outros, bem reais.
E quatro formidáveis paredes de um
Apartamento me detêm, inapelavelmente,
Restando-me degustar os sofridos
Versos deste poema que, ainda assim,
Ousam me libertar desta clausura.
NOVAIS NETO. Meu Lugar é Aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória. Salvador: NN, 2009, p. 63. 160p.
Quanto ao ano, eu não tenho tanta certeza assim, mas creio ter sido o de 1994. Naquela época, ainda era bancário e havia planejado passar o Natal em Santa Maria da Vitória, a quase mil quilômetros de Salvador (BA), como meus familiares e amigos. Não deu certo. A razão também não me recordo. Certo é que, por não buscar outra alternativa, me vi trancafiado num apartamento a ver o Natal passar lá fora, indiferente à minha solidão.
E aí, um turbilhão de pensamentos e lembranças vieram-me à tona e me vi menino à espera de Papai Noel trazendo minha bola de matéria plástica, de borracha, ou – num sonho mais ambicioso – um capotão, como chamávamos a tão desejada bola de couro.
Convém registrar que ainda sou do tempo dos meninos do interior que ainda criam em Papai Noel, cegonha, mulher-de-sete-metros, pé-de-garrafa, mula-sem-cabeça, pé-de-garrafa, caipora, romãozinho, lobisomem, nego d’água, alma penada, e tantos outros personagens folclóricos que não cabe aqui enumerá-los. Lembrando apenas que nada disso me traumatizou, me deixou mágoas, e nem a meus contemporâneos.
Pois bem, como já sei qual o antídoto para estes momentos, digo, para estes males, escrevi o poema “Uma noite chamada Natal”, que me libertou do cárcere e me levou à Santa Maria da Vitória, a uma bela manhã, após a noite natalina, para confraternizar e partilhar com meus amigos os presentes recebidos do bom velinho.
UMA NOITE CHAMADA NATAL
Quatro formidáveis paredes me detêm,
Prendem-me o corpo físico, inerte.
Porém, a vontade incontida de voar
Leva-me a mundos imaginários:
Vou até Pasárgada, de Bandeira, e
Encontro, sem esforço, a mulher
Que quero do sonho não sonhado.
Tudo é tão rápido quanto inexplicável
Porque o tempo aparentemente gasto
Não cabe no transcorrido tempo material.
A viagem é estranhamente bela
Porque me deixa nos olhos da vida
Um agridoce gosto de saudade.
Volto aos Natais de um sapato de couro:
Tão duro, surrado e sem brilho,
Debaixo de uma cama de molas espirais
E colchão de junco: artesanal, xadrez,
Cuidadosamente, confeccionado,
À espera de uma bola de matéria plástica.
Mas os dias são outros, bem reais.
E quatro formidáveis paredes de um
Apartamento me detêm, inapelavelmente,
Restando-me degustar os sofridos
Versos deste poema que, ainda assim,
Ousam me libertar desta clausura.
NOVAIS NETO. Meu Lugar é Aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória. Salvador: NN, 2009, p. 63. 160p.