O RIO DAS TRISTEZAS
No leito do rio Aquerontes
O barqueiro dos mortos
embarca as almas recém chegadas.
Qual será seu destino?
Qual será sua sorte?
Nunca vira tamanha profusão de almas!
Sofre o barqueiro por sua triste missão…
Tudo é triste!
O rio em seu lamurio,
o barco que desliza,
as águas turvas.
As lágrimas dos que ficam
alimentam esse rio
que nunca seca.
Segue caudaloso e perene
como se fosse um rio de vida,
um rio doce, um rio qualquer...
Caronte rema
num tristonho ritmo.
Quantas vezes fizera aquilo?
Quantos o tentaram subornar?
— Me tira daqui!
— Me deixe voltar!
O barqueiro silente,
nem lhes dirige o olhar.
Navegador de almas,
devia levá-las
de uma beirada a outra
e nada sentir, nada falar,
nem ao menos pensar…
Ser somente o barqueiro da morte
que leva as almas para seu julgamento….
Éaco, Minos e Radamanto
darão o veredito,
Tártaro ou Campos Elísios?
Qual será a decisão?
O barqueiro segue
Pelo rio das viagens sem volta,
Dos sonhos interrompidos,
Dos gemidos de má sorte.
Da incerteza no ar...
Por que entre tantos
Foram escolhidas
aquelas almas?
O que as diferenciava das outras?
Por que alguns sobrevivem
e outros morrem sem fôlego ?
Perguntas difíceis,
enigmas sem respostas.
Carontes não era dado a pensar.
Era o barqueiro de almas
Sua função era remar
Naquele mar de tristezas
E nunca parar.
Mas não deixou de observar
por entre o capuz da túnica lúgubre
que eram almas diferentes
das que costumava receber.
Não tiveram honras, nem foram purificadas,
Não houve cortejo, não houve velório…
Vinham sem nenhum preparo,
sem moedas na boca,
seu óbolo tão precioso...
Chegavam assim, indefesas e impuras
ao submundo de Hades.
Quanta lamúria!
Quanta tristeza!
Quanta saudade!
Carontes, um velho,
apresentava cansaço,
o enfado dessa vida
de auxiliar na travessia
das almas rumo à morte.
São tantas almas que sofrem!
Ele leva todas da mesma maneira
As desesperançadas, as altivas,
as das mães que gritam em desespero
pelo abandono dos filhos.
As dos filhos que não se perdoam
Por terem deixado seus pais.
Umas arrastam as correntes da riqueza,
Outras espelham a face da miséria!
Há as que souberam dividir
e há as que guardaram tudo
só para si.
Carontes é capaz
de distinguir entre elas
as que fizeram o bem
e as que alimentaram o mal.
Tácito ele transporta
a dor dos aflitos e dos conformados.
a dor dos doutores e dos subalternos.
Dos pobres, dos ricos,
dos sábios e dos ignorantes.
E a pior de todas as dores
— a mesma que ele carrega —
a de não se sentir ninguém!
Há em sua face um riso de escárnio.
Afinal, agora são todas irmãs!
Nenhuma conseguiu terminar
a tarefa de viver!
Parecia haver tanto amanhã!
Dentro o barco em Aquerontes
todas as almas se igualam.
Partem sem levar nada do que tinham
serão julgadas, imparcialmente,
por aquilo que fizeram e foram
enquanto havia vida em seus corpos.
Hades e Cérbero, estão prontos para recebê-las!