Desculpa

Num tom cinza de arrependimento claro,

numa prepotência de emocionar

gente desconhecida,

eu escrevo.

No imperativo: eu escrevo!

Me coloco na posição de vítima

ao recordar da falta de tato contigo.

Quantas vezes você cuidou de mim?

Foram tantas broncas e avisos dados.

O alarme em voz alta soava medonho:

eram premonições táteis da vida mundana.

Segui as ordens e nada aconteceu;

que bom que nada aconteceu…

Saudade que derrama

lágrimas vazias vazadas do peito!

O leite de seu seio me alimentou

como me fez crescer saudável,

bonito, talentoso, carinhoso.

Éramos a magia das palavras;

você revelou nos meus lábios calados.

O garoto quietinho cresceu, mamãe!

O tempo sem escrúpulos ruía a carne

de nossos corpos. A nossa fofura

ganhava idade, como também

despedaçava…

Lentamente…

Rápida…

Cortante.

O silêncio de forma gritante,

proclamou nossas almas.

O jovem agora é distante, mamãe!

Quantas vezes eu cuidei de você?

Pergunto ao vento frio das questões.

Você me deu tantos alarmes,

mas a rota que sucedeu foi

um macabro câncer de mama.

Você escondeu um câncer, mamãe!

Um câncer!

E eu, medíocre como sou, ignorei:

— Sua voz mórbida e desalmada;

os chiados e gemidos ao dormir;

seus olhos amarelados de girassóis

sem pétalas;

o seu mundo frio de uma dor absurda.

Como é irônico essa vida!

Com o seio que exauriu o poeta

foi com ele que você partiu de mim.

Avistei ele na UTI: necrosado, duro,

sem leite, sem vida, sem merda nenhuma!

Eu? Eu fiquei sem palavras que jamais

poderia fingir poder te dar!

A sua netinha iria nascer,

e não haveria distância

como eu te distanciei;

não sorriria o ar gelado

ao silêncio branco do mar.

O peso arrependido é esse.

Eu… Eu… Escrevo!

Para enganar a mim mesmo

que você não foi embora,

e a minha dor ser o triste preço.

O homem agora é triste, mamãe…

Reirazinho
Enviado por Reirazinho em 02/08/2024
Código do texto: T8120605
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