Velório
Adentrei a casa mortuária
Vi como a viúva estava desesperada
Mas sabia que a lágrima era temporária
E que após alguns dias estaria calada
Vi a face tão alva e clara
Daquele que um dia era da cor do mel
A um floco de neve qual se compara
Branco na palidez de um longo véu
Sobre a testa já descansada
Repousa o traço tão silencioso
No sossego em mudez da boca fechada
Onde adormece o lábio ansioso
Cuja boca um dia contou tanta história
Declamando ensaios e sonetos tantos
Possuidor de uma vasta oratória
Hoje se cala em tácitos prantos
Vi os olhos que se fecharam
Agora lacrados pro descanso eterno
Imaginei tudo o que já presenciaram
Mas nem conheceram o mundo moderno
Percebo o corpo frágil e flácido
A se decompor sobre o caixão
Exalando o fétido odor como ácido
A corroer o ar pelo salão
As mãos sobrepostas acima do peito
Vi como foi então o seu final
Pois no dia em que padeceu em seu leito
A morte presidiu o triste funeral
Entoando o discurso breve e expressivo
Ao homem o que o homem tem direito
E deveras em tom nem tanto agressivo
Afastou os braços de cima do peito
Coletando a alma e levando consigo
Deixando o corpo gélido ao recinto
Encerrando o enterro fechando o jazigo
Derramando à alcova a taça de vinho tinto
Assim se selou o sepultamento
E o fim de uma vida que outrora existia
Deixado à lembrança em sofrimento
Findado na lápide em mortal poesia
Selando a cova em frio território
Cercado pela terra e pelo denso cimento
Apagaram-se as velas daquele velório
E o espírito seguiu para o julgamento
Entrando na sala grande do purgatório
Confessou seus males e tantos pecados
Após o longo e aflito falatório
Enfim por deus, fora sentenciado
A luz é teu guia e o escuro tua casa
O mundo que conhecia morreu, se acabou
Caminharás ao tapete adornado por brasa
Estarás puro ao final se teu pé não queimou