´´ Infância e Morte ``

 

«Ó mãe, o que fazes? em cama tão fria

«Não durmas a noite… saiamos daqui…

«Acorda! não ouves a pobre Maria,

«Pequena, sozinha, chorando por ti?

 

«Porque é que fugiste da nossa morada,

«Que alveja saudosa no monte dalém?

«Depois que tu dormes na terra gelada,

«Quão só ficou tudo, mal sabes, ó mãe.

 

«A nossa janela não mais foi aberta,

«O fogo apagou-se na cinza do lar,

«As pombas são tristes, a casa deserta,

«E as flores da Virgem se vão a murchar.

 

«Oh! vamos, não tardes… mas tu não respondes…

«Em vão todo o dia meu pranto correu;

«No fundo da cova teu rosto me escondes,

«Não ouves, não falas… que mal te fiz eu?

 

«Escuta! na torre de frestas sombrias

«O sino da ermida começa a tocar…

«Acorda! que o toque das Avé-Marias

«À imagem da Virgem nos manda rezar.

 

«A lâmpada exausta de Nossa Senhora

«Ficou apagada, precisa de luz:

«Oh! vem acendê-la, e à Mãe que se adora

«Ali rezaremos, e ao Filho na cruz.

 

«Depois à costura, sentada a meu lado,

«Tu hás-de contar-me, bem junto de mim,

«Aquelas histórias dum rei encantado,

«De fadas e mouras, dalgum querubim.

 

«A d’ontem foi triste, pois triste falavas

«De vida e de morte, dum mundo melhor;

«E o rosto cobrias, e muda choravas,

«Lançando teus braços de mim ao redor.

 

«Depois em silêncio teus olhos fechaste,

«Tão pálida e fria qual nunca te vi;

«Chamei-te era dia, mas não acordaste,

«E enquanto dormias trouxeram-te aqui.

 

«Oh! vamos, não tardes, que as noites sombrias.

«Sem ti a meu lado, me causam pavor!

«Acorda! que o toque das Avé-Marias

«Nos diz que rezemos à Mãe do Senhor.»

 

Tais eram as queixas da pobre Maria…

O sino da ermida cessou de tocar…

E a mãe entretanto dormia, dormia;

Do sono da morte não pôde acordar.

 

Três dias, três noites a filha sozinha

No adro da igreja por ela chamou…

Ao fim do terceiro já forças não tinha;

Da mãe sobre a campa, gemendo, expirou.

António Augusto Soares de Passos foi um poeta, expoente máximo do Ultra-Romantismo em Portugal. Nascimento: 27 de novembro de 1826, Porto, Portugal Falecimento: 8 de fevereiro de 1860, Porto e Portugal Morte: 8 de fevereiro de 1860 (33 anos).
Enviado por laylaemajnun em 20/03/2024
Reeditado em 20/03/2024
Código do texto: T8024229
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