Amor Verdadeiro
Eu queria saber, oh minha amada,
Se ao final desta estrada há saída
Que me leve até a mesma morada
Em que agora tu vives tua vida.
Nos momentos que se encontra perdida,
A minha alma permanece calada,
Na esperança de que, não sendo ouvida,
Possa perder-se sem ser encontrada.
És a única por quem tenho apreço.
Peço, pois, que não fiques tão quieta.
Diga-me logo onde é teu endereço.
Revela em mim a cidade secreta
Em que breve ao teu lado adormeço
Como convém a um perdido e a um poeta.
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Você, que me conheceu
E ao meu ser não desprezou.
Brilho dos olhos meus
Que a morte de mim tomou.
Tu, que outrora me foste chegada,
Hoje és completa desconhecida.
Que fiques tu na minha mente lembrada.
Porque na minha alma já foi esquecida.
Ando com um olhar distraído:
Quem está distraído me entende.
Tudo que há me impressiona,
Porém nada me surpreende.
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Tenho em mim a memória de um tempo,
quando você me era linda.
Eu era inadequado, mas tu viste beleza
Em algum fim de mundo do meu ser.
Ser este que não me era necessário.
Nem nada me era necessário, senão só tu.
E, sendo tu necessária, fazias também necessárias
todas as coisas que não são.
Tu me fizeste ver a arte,
e ensinaste-me a crer nas coisas óbvias
- Por serem incríveis de um modo simples.
Tu me mostrasse os horrores do mundo,
E como os homens podem ser maus,
mas ria-se e fazia-me rir das nossas vaidades.
A gente se deitava a céu aberto, na chuva,
E você criava palavras, para,
ao meu ouvido, dizer-me palavras somente tuas.
Tu fazias florescer o meu jardim,
e tornava meus campos agricultáveis.
Até que a morte te conquistou,
E te levou para longe de mim.
E fez secar os meus lagos,
E sumir as minhas paisagens.
Fez calar o meu cântico.
Tornei-me alma errante, quase como uma lenda.
Quem me dera não tivesse a morte
Seduzido antes a ti.
Pois, agora, o que me resta,
senão também entregar-me
aos cuidados dela?
Então procurei a morte,
E não precisei ir muito longe, nem mesmo dobrar a esquina.
Descobri aos tropeços, caindo para dentro de mim,
que ela já me pertencia,
E eu cedi aos seus encantos.
Agora, o amor de minha nova amada
está onde eu estiver.
E o toque dos dedos dela
pincelam de morte os quadros da vida.
Já fiz todas as perguntas impossíveis,
porque das possíveis não obtive respostas.
E quando penso que mais me amava minha ex-amada
Tu, querida morte, me constatas do meu erro.
Mas não importa o quanto a morte me seja buscada,
a vida sempre consegue me chamar de volta.
Esta é a ambivalência que me toca.
Esse balanço entre
essa canseira viciante que é a vida
e esse descanso invejável que é a morte,
esse balanço é o que me mata.
Agora, a minha alma farta
Espera só ser verdadeiro
aquele amor que me amou primeiro.
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O eu-lírico do poema é uma personagem minha, e esse poema foi inspirada em uma conversa que tive nos comentários de um vídeo do YouTube. Esta, que foi talvez a conversa mais profunda que eu já tive, em termos de reflexões e filosofias, teve 52 respostas no total, somando as minhas e as do rapaz (provavelmente rapaz) que me escreveu. Ele era uma pessoa aparentemente bastante melancólica e complexada. Nunca tinha conhecido pessoa tão misteriosa. E ele era muito inteligente. Perto da escrita dele, eu ainda estava engatinhando.
O poema, se puderam reparar, começa com um soneto, 14 versos decassílabos, 2 quartetos e 2 tercetos. Portanto, foi algo mais trabalhado. Após isso há um traço, indicando uma transição, mas na verdade não precisaria haver, é mais para facilitar essa percepção. E a segunda parte do poema possui rima, mas não mais as 10 sílabas. Já a última, não possui nem métrica, nem rima, apenas a liberdade total do narrador em expressar sua angústia. Isso faz parte da construção da história do personagem, que foi perdendo a poesia da vida ao longo do texto, decaindo na métrica dos versos. No entanto, reparem, ao final do poema, há uma última rima...
Fica o desafio para vocês: quem é a amada? (Obviamente não precisam me conhecer pra saber)