Velório longo de um cadáver sem sono
Quando o show acabou
Nada me restou
Não sei quem sou
A vida voou
Defunto vestido de terno
Funeral longo
Cadáveres sem sono
Começou o eterno
Pulgas no sanatório
Envolto nas amarras
O rato de laboratório
Não faz mais farras
Observam de longe
A meditação do monge
Ninguém é esperto
É só um cadáver de olho aberto
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A vila de Porissu era um lugar pacato que ninguém procuraria pela agitação e não era sequer um lugar que despertava interesse dos turistas pois na região existiam tantas outras cidades com belezas exóticas quanto a vila de Porissu, seu nome peculiar nem sequer tem uma boa história, o significado... foi perdido, se tornou piada, perguntar a um viajante o por quê de batizarem a cidade assim, esperando uma resposta negativa, e simplesmente ao responder ao viajante desavisado que é "Por isso", por isso o quê? "Porissu" e apontar ao redor.
Uma lugar de uma vida sem graça como a piada mais contada na vila.
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Vila da desgraça
Homens sem bril
Bebedores de cachaça
O pior é meu tio
Em uma noite se embriagou
E morreu engasgado com um funil
Vila da desordem
Crianças que comem imã
Com barba e bigode
O pior é o José Sacode
Vejam só,
Não sabe o que é dominó
Comprou uma filmadora
Fuma ganza e vende pó
Vida assustadora?!
Vila da miséria
O idoso e sua melancolia
Disse me Dona Quitéria
"Flores que um dia colhia
Já não mais brotam por aqui
Colhia e fugia
A flor murchou e um dia vai cair"
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As ruas de Porissu não tem número ímpares, dizem trazer azar, na rua 12 há um homem de meia idade, amargurado, revoltado, também quem pode culpa-lo no meio da noite por conta de seus pesadelos acordou com o dedo no gatilho disparando para todo canto, estragou a pintura da casa, mas, o pior foi rastro de sangue que ficou no quarto, sua esposa foi atingida, sangue seco no chão é difícil de limpar ainda mais quando não sequer tirar as marcas do arrependimento.
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Quando mato não sinto pavor
Embora veja o olhar de horror
Agora é diferente
Não foi alguém indiferente
Minha bela que jurei amor
Rápido e letal
No inevitável girar do tambor
O cão bate no metal
Já era, é chorou e dor
Não sou mais falante
Apenas um corpo ambulante
Automático e repetitivo
Em choque, altamente imperativo
Prendam-me antes que tenha mais
Me matem antes de ser tarde demais
Mereço a tortura e a câmara de gás
Apenas com a morte terei minha paz.
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A vila de Porissu não foi mais a mesma depois da tragédia, o homem não foi preso, responderá o proceso em liberdade, se falam muito em crime culposo, e talvez a pena ele nem precisará pagar, já que a pena de perder a esposa é maior do que a pena em uma prisão. A cidade passou a comentar o caso com frequência, mulheres tinham medo das armas de seus maridos, os maridos por sua vez culpavam o homem de imprudente, as crianças faziam um turismo macabro para ver a casa amaldiçoada. Não houve velório, os pais da moça solicitaram que o corpo fosse velado na cidade natal, só restava o eco pela cidade de inúmeros boatos que se tornaram o assunto principal da vila.
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Cheguei ao fim
Não tenho medo
É por mim
Vou puxar o dedo
Não tenho mais arma
Nem mesmo alma
Tenho coragem
Vai ser na garagem
Nó e laço certo
Pensamento incerto
Arrependimento?
Não, é real e concreto
No alto do banco
Admiro o chão
Manchado de branco
Vou morrer em vão
Quero desistir
Mas, o que vou viver aqui
É hora de partir
Chuto o banco
Me falta o ar
Tudo fica branco
Começo a me acalmar
Acabou e não vai mais voltar.