Injúrias Póstumas

Não queime meu corpo

É tudo o que tenho a pedir

Não sou um cachorro morto

Não és obrigado a se despedir

Por menos louvável,

Que tenha sido minha trajetória

Não precisa fingir ser amável

Só não insulte a minha memória

Não necessito de lágrimas

Debochando do meu caixão

Fechem essas bocas pasmas

Que apenas a chuva molhe o chão

Não roubem minha coroa de flores

Permitam-me essa pequena satisfação

Em receber uma única condecoração

Por todos esses anos de dissabores

Dispenso a missa de sétimo dia

Não precisa transferir a terceiros

A tarefa de lembrar da minha vida vazia

Apenas deixem os vermes serem ligeiros

Não sou tola o bastante

Para pensar em deixar saudades

Seria muito arrogante

De alguém que nunca teve amizades

Se fui uma boa filha,

Ou uma completa estabanada,

Isso já não vale mais nada,

Para quem já encerrou sua trilha

Nada mais me importa

Tampouco, a tardia gentileza

Não cansem minha beleza,

Uma vez que já estou morta

Não profanem minha lápide

Escarneçam minha reputação

Uma última vez, antes que seja tarde

Deixem-me sozinha na minha escuridão

Esteja onde estiver, estou em paz agora

Estou livre do meu carma visceral

Dirijam-se ao portão, está na hora

Já anoiteceu e acabou meu funeral