LEMBRANÇA DE MORRER

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,

que o espírito enlaça a dor vivente,

não derramem por mim nem uma lágrima

em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura

a flor do vale que adormece ao vento:

não quero que uma nota de alegria

se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como quem deixa o tédio

do deserto, o poento caminheiro

como as horas de um longo pesadelo

que se desfaz ao dobre de um sineiro.

Como o desterro de minh'alma errante,

onde fogo insensato a consumia:

só levo uma saudade - é desses tempos

que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade - é dessas sombras

que sentia velar nas noites minhas...

E de ti, ó minha mãe! Pobre coitada

que por minhas tristezas te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,

poucos, - bem poucos - e que não zombavam

quando, em noites de febre endoidecido,

minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,

se um suspiro nos seios treme ainda,

é pela virgem que sonhei! ... Que nunca

aos lábios me encostou a face linda!

Ó tu, que à mocidade sonhadora

do pálido poeta deste flores...

Se vivi...foi por ti! E de esperança

de nada gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,

verei cristalizar-se o sonho amigo...

ó minha virgem dos errantes sonhos,

filha do céu! Eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário

na floresta dos homens esquecida,

à sombra de uma cruz, e escrevam nela:

- Foi poeta, sonhou e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha,

que minh'alma cantou e amava tanto,

protegei o meu corpo abandonado,

e no silêncio derramai-lhe um canto!

Mas quando preludia ave d'aurora

e quando, à meia-noite, o céu repousa,

arvoredos do bosque, abri as ramas...

Deixai a lua pratear-me a lousa!