Suposições
Nasceste livre, suponho
Não conheceste o cativeiro,
Nem o tronco
E assim, de suposições
Recrio em minha mente
Lembranças que não tenho.
Dentro do canavial
Encontraste, nesta vida
O destino final
De um corpo negro
Reluzente e inchado
Jogado ao léu,
Sem alma e vazio
À espera da misericórdia
Somente vinda do céu
Em meio às folhas cortantes
O visco sobre a pele lustrosa
Foi a visão de alguém
Que, no susto, te estendeu a mão
Num ato tardio de caridade
Sei lá quais preconceitos
Agruras e provações
Te obrigaram a fugir
Do mundo real e da crueldade
Daqueles que se dizem normais
E de boca cheia, dedo em riste,
Taxam, ordenam e organizam
Onde a vida insiste.
No etílico flutuaste
Na solitude opressora
Refugiando-te da realidade
Áspera e agressora
Sem amor ou compreensão,
Dos que vivem por teimosia
E se perdem irremediavelmente
Dentro de sua própria amplidão.