Prefácio da Agonia
“Já o verme – este operário de ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida, em geral, declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!”
Augusto dos Anjos – Paraíba, 1909
______________________________________________
Num pântano repleto de ossaturas,
Suspenso, vi-me sob um céu vermelho...
Caindo como chuva as desventuras
Puseram-me, aos poucos, de joelho...
Eu quis aproveitar o medo e a fuga,
Fitando, tristemente, mais estrelas...
Não pude, pois o Som que me conjuga
Gangrena os meus tecidos por revê-las!
As chamas merencórias do Infinito
Acendem todo o céu, de canto a canto!
Sentindo cada verso aqui descrito
Conservo a sombra esquálida de espanto!
Com toques imortais, a dor vazia
Acalma a minha alma soluçante...
De um lúgubre destino à poesia,
O adeus carrega o peso de um gigante...
Não lembro se perdi num crematório
As cinzas do que fui enquanto vivo!
Mas sei que em meu caminho transitório
Deixei de ser um espírito cativo!
Deitado em meu caixão, abarrotado,
Abri os olhos ante o pesadelo...
Não via nem sequer o meu legado
Nem chance de fazer algum apelo.
Rendido para sempre à eternidade
E ao medo inconsciente de outras eras,
Um surto me provoca frialdade:
É a fome celular de mil moneras!
19 de setembro de 2021