Prefácio da Agonia

“Já o verme – este operário de ruínas –

Que o sangue podre das carnificinas

Come, e à vida, em geral, declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,

E há de deixar-me apenas os cabelos,

Na frialdade inorgânica da terra!”

Augusto dos Anjos – Paraíba, 1909

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Num pântano repleto de ossaturas,

Suspenso, vi-me sob um céu vermelho...

Caindo como chuva as desventuras

Puseram-me, aos poucos, de joelho...

Eu quis aproveitar o medo e a fuga,

Fitando, tristemente, mais estrelas...

Não pude, pois o Som que me conjuga

Gangrena os meus tecidos por revê-las!

As chamas merencórias do Infinito

Acendem todo o céu, de canto a canto!

Sentindo cada verso aqui descrito

Conservo a sombra esquálida de espanto!

Com toques imortais, a dor vazia

Acalma a minha alma soluçante...

De um lúgubre destino à poesia,

O adeus carrega o peso de um gigante...

Não lembro se perdi num crematório

As cinzas do que fui enquanto vivo!

Mas sei que em meu caminho transitório

Deixei de ser um espírito cativo!

Deitado em meu caixão, abarrotado,

Abri os olhos ante o pesadelo...

Não via nem sequer o meu legado

Nem chance de fazer algum apelo.

Rendido para sempre à eternidade

E ao medo inconsciente de outras eras,

Um surto me provoca frialdade:

É a fome celular de mil moneras!

19 de setembro de 2021

Gabriel Zanon Garcia e Gustavo Valério Ferreira
Enviado por Gabriel Zanon Garcia em 25/09/2021
Reeditado em 28/08/2022
Código do texto: T7350283
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