O LAMENTO DA MORTE
Caído em um imundo beco
Ao lado do anjo da morte
Jazia um homem estranho e forte
Que o olhava com medo!
Por milênios e gerações...
Acusam-me de tudo!
Sou mais velha que o mundo
Sou aquela cheia de decepções.
sou onipresente neste plano
mas ninguém me vê.
Sou temível não sei por quê?
Será que a tudo, eu profano?
Dizem que sou, da vida, inimiga.
E de todos os cadáveres, soberana.
Sou o lamento da raça humana
Raça pródiga, cruel e falida.
Dizem que sou como a serpente
Que, na noite traiçoeira, vagueia
E respinga veneno na veia
De um corpo que morre lentamente.
Culpam-me por tudo e qualquer cousa
Da vida, sou eu a vilã,
E sem mim, não existe o amanhã,
Sou aquela que não repousa.
Trabalho sem descanso e ninguém me paga
E não posso morrer
E se morta estou não posso viver
Quanta desgraça!
Sou uma figura retórica
Imaginam-me uma caveira
Com foice na mão e de manta preta,
Uma criatura fantasmagórica.
Figura de manta preta
Que com uma foice gigante
Assombra até gente grande
Com a lâmina cruel que se ajeita
Num golpe violento
Seu sopro de vida acabou
Assassina que sou
Dizem que sinto contentamento.
Na mais imortal procura,
fantasiam meu rosto e minha estrutura
sou a estranha criatura
Que se desfigura na loucura.
Meu reino é frio e distante.
Estou sempre sozinha.
Meu tempo não caminha
E sempre recebo visitantes.
Mas não se engane ainda
Não seja um louco insano
As almas partem para outro plano.
Há apenas corpos e cinzas.
Sempre sou por algo lembrada.
Se tu sentes dores, logo me teme,
Arrepia-te, estremece e treme
E passa orando na madrugada.
Acusam-me de infâmias,
De destruir famílias
Das cinzas, fazer relíquias
E do tempo, apagar circunstâncias.
Em suas soberbas palavras
Dizem que sou uma velha profana
Roubando vidas em caravana
Mutilando corpos com minha espada.
No calor da existência,
Fomos criadas em distintos momentos
Separadas por tormentos
Por isso, somos irmãs gêmeas.
Somos vida e morte,
Duas faces da mesma moeda
Porém, qualquer um, inclusive os poetas,
Consagram-nos como azar ou sorte.
Condenadas a nunca se tocar,
Olhamo-nos apenas no último minuto
De um corpo adormecendo mudo
Que, de um plano a outro, inicia o atravessar.
Por isso me ponho a clamar
Sou, da vida, a injustiçada.
Da vida, ladra, sempre culpada
E jamais defendida no julgar.
Entre prantos e mágoas, assisto
Que após o lamento vem a aurora.
Digo adeus e vou-me embora
Defendo-me, não sou cruel, repito!
Minha existência é
Um ciclo infindável da perda humana
Desvalorizada no tempo, leviana
E valorizada apenas na fé!
Sozinha, caminho pelas eras
No inferno de podridão,
Admirando a beleza da criação
E o esplendor da primavera.
FARES, 16/09/2020