A morte da velha rica
Dormiu viva e logo cedo acordou morta
No aposento de mobília em entalhe
madeira nobre de angelim, mogno, ipê
todo esse ouro não lhe tardou a despedida
O criado mudo na mesma anatomia
com linhas tortas a acusar as heresias
O espelho oval a refletir a solidão
de um rosto pálido enfiado no caixão
O corpo inerte, todo frio e desalmado
Jaz e já foi rico abastado
Largou a vida, pois morreu morte morrida
viva, vivia avarenta mesquinharia
Tanto pecado contado em moeda
pago em novena e em muito terço rezado
Sua alma parte e não leva um vintém
Sem porta-malas o caixão segue além
Alma de rico encomendada na medida
na lage fria de esmeralda bem polida
só vai ao céu pelo buraco da agulha
ter com mendigos, toda sorte de sem teto
Roupa elegante de seda e caxemira
contas de ouro, pedra cara, prataria
tanto requinte já não lhe mais tem serventia
pra onde vais o eu saldo não tem valia
Velha abonada é chegada a sua hora!
findo o jogo, sopra o juiz o final
Esquece tudo, sai de campo e sem demora
Já é fim de dia, hora da ave maria.