Imortal

Chegou um dia que eu parei de respirar,

E numa bruta vontade de viver,

Eu senti meu coração parar,

Descobri que não poderia morrer.

Minhas mãos ganhavam cor,

Meu pulmão respirava em dor,

As veias saltavam para sangrar,

Minha boca procurava o ar.

Nunca houve tanto silêncio numa tempestade,

Fui afastado da santa trindade,

Neste destino de maldade,

Alcancei a infelicidade.

Retirei a espada do abdômen,

Me sentia homem,

Mas que as sombras me comem,

Que minha alma vos tomem.

Não senti fome momento algum,

Tudo se tornara um,

Procurei qualquer pessoa para me conhecer,

Mas só consegui Ela ver.

Sua pele branca e fria,

Em seu rosto sorria,

Sobrancelhas de modo que sofria,

Minha mão ela sentia.

Seu toque cadavérico era surpreendente,

Ela assustada sorria dente a dente,

Pois estava contente,

Alguém que não desapareceria rapidamente.

Sua mão em meu peito,

Recitava o meu leito,

Num ato de respeito,

Puxou sua foice de açougueiro.

Cravou da costela ao pescoço,

No caminho quebrou cada osso,

Mas no meu singelo esboço,

Sou teu eterno calabouço.

Minhas pernas não se sentiram,

Meus olhos mentiram,

As mãos caíram,

Mas eles riram.

Ela novamente tentou,

Me esfaqueou,

Me penetrou,

Me cortou.

Mas não morri,

Eu sorri,

Nem a Morte me faria ir,

Que belo dia para vivir.

Tua carne não perece,

Teu coração não apodrece,

Tua alma não corre,

Por que você não morre?

Mas o sol não me tocava,

A sombra não me esfriava,

A Morte não me matava,

Deus não me amava.

Cai da mais alta construção,

Fui degolado numa fiação,

Atropelado por ônibus de excursão,

Decapitado por fio de violão.

Tomei um tiro na testa,

Espremido numa fresta,

Incendiado numa festa,

A minha vida não protesta.

Mas quando chorei,

Por um segundo eu clamei,

Desesperadamente orei,

E agora eu sei.

O conheci novamente,

Menti constantemente,

Achando que estava contente,

Mal sabia que era o inferno na minha mente.

Por um segundo eu vivi,

Por um milésimo O senti,

Por um instante eu morri,

Pois nunca quis sorrir.

Pior eu sentiria quando a Morte a buscaria,

E eu ficaria,

Eternamente agonizado,

Por não ter me matado.

Experimentei a imortalidade,

E digo que não vale a pena,

Pois a infinita vida,

É o que te condena.

Pois tudo tem fim,

Tudo morre,

Carregados pelo serafim,

Até a prole.

Nada fica,

Tudo é passageiro,

Tudo trinca,

Nada é por inteiro.

Ao invés de viver eternamente sem você,

Morreria a todo sono até o amanhecer,

É um desperdício não te conhecer,

Prefiro mil vezes morrer.

Agora a madrugada não me deixa,

Há quem se queixa,

Mas dessa alma desleixa,

É a minha deixa.

Quebro-me de ser imortal,

Pois não sou vívido imoral,

Minha vontade de viver é descomunal,

Mas quero ter um final.

Tenho tantas conquistas para vencer,

Tanta cruz para me fazer,

Lutas para doer,

Razões para viver.

Há casamento,

Há juramento,

Homem ciumento,

Louco por sofrimento.

Pois venha vida e venha morte,

Nada é acaso nem sorte,

Pois para um ser do meu porte,

Sigo rumo ao norte.

Aqui cravo mais uma poesia,

Da maior lição de Tanatologia,

Pois dessa linda ironia,

Não sou refém, sou cria!

Não houve dor,

Nem sofrimento sem pudor,

Destino de ardor,

Foi tudo por amor.

A poesia agora perde a vida,

Mas nunca a razão de viver,

Pois vale mais uma vontade de morrer,

Que uma vida mal vivida.

E finalmente vivi,

Saiba que se um dia eu morri,

No último ato que jazi,

Eu sorri.

Corvo Cerúleo
Enviado por Corvo Cerúleo em 02/08/2019
Código do texto: T6710413
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