UM SALTO NO ESCURO

(Sobre as recentes descobertas de mortos não descobertos.
Publicado neste Recanto das Letras, em 05/12/2013
)



Mãos para trás,

pulsos apertados em algemas de gesso.

Frio estomacal,

qual paraquedista neófito.

.  .  .

Impelido sem oferecer resistência,

flutuei no ar.

Torturante giro no escurejar das trevas.

 .  .  .

Enfim, sós ! 

Eu, em descenso na vertical, 

e o meu algoz,

que seguiu planeando na horizontal.

Formaram uma cruz nossas coordenadas.

 .  .  .

Ninguém escutou meu derradeiro grito,

disperso no silêncio do infinito:

. . .“Independência ou Morte ! . . .”

.  .  .

Morte?

Indolência. . .  Languidez. . .  Talvez ! . . .

Corpo e alma na última descida da vida.

.  .  .

Foi o meu pensar

no ligeiro instante

antes

do mergulhar profundo

num ondeado e gélido mar bravio.

.  .  .

A escuridão das águas,

a mesma do noturno céu nublado,

a mesma dos pensares militares,

subordinados.

.  .  .

Imaginei-me sobrenadando

em  lágrimas derramadas

de tantas mães e irmãos

em esperas vãs.

.  .  .

Por certo,

meu corpo leve, a uma peso atado,

não ousou vaguear

nas vagas do mar revolto.

 .  .  .

Fato consumado

?  !  .  .  .
 
Virei marisco,

que ainda agoniza

entre a rebentação das ondas

e a resistência da pedra:

eterno embate ideológico

de forças antagônicas.