Desabafo de Aline em mim

Repasso em prosa poética os desabafos da última conversa travada com Aline, antes da vilania das circunstâncias terem vencido e lhe tomado a vida, fazendo-a perecer. Horas antes do desencarne, uma última conversa pelo celular, com um pico de depressão latente e uma tentativa desesperada de que tudo ainda pudesse valer a pena e a dor da vida ser vencida.

Me foi pedido que mantivesse a sua essência viva e tentasse traduzir ao mundo o que seu íntimo refletia e que o mundo não entendia.

Pelo tom, já havia percebido que as horas seguintes seriam amargas, mas em meio ao desespero, uma tênue convicção perpassava as palavras, sem titubear, e alguém já cansada de tanto labutar e se frustrar.

Partilhávamos de emoções e dilemas similares.

Prometi que, enevoada em engenho poético, relataria o que fosse dito.

Novembro de 2016.

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-Vou contar já agora, a todos vocês,

O quão mal sentir culpa, a tal culpa me fez.

Destruí os meus sonhos que habitavam em mim,

Tornando pesadelo meu viver aqui.

Eu achava ser forte, mas vivia ilusão

Que agora se mostra um monstro grandão!

Tão gigante e mais forte é a culpa em mim,

De não ter mais armas pra lutar com isso aí.

E aí eu me acabo e vou me acabando mais.

Eu mal sei expressar o quão mal que me faz!

-Ai, Aline, eu te entendo e lamento então,

Tanto assim que descrevo esse monstro grandão.

Só consigo, pois sei que o conheço tão bem,

Habitando em meu peito como no seu também.

Espero que alivie poder saber,

Que não sente sozinha essa culpa em você.

Um favor eu lhe faço e me alegro em fazer,

Que é expor em palavras o que há em você.

Sou poeta e me presto a poder traduzir,

A dor de quem sofre diante de mim.

Compartilhe comigo essa solidão,

Pois juntas somos duas a lutar com o Monstrão.

Ele pode ser forte, mas devemos lembrar

Que é só um sentimento que nos cabe superar.

Reconhecer tua fraqueza, já é superação.

Poucos reconhecem seus fracassos de antemão

E devemos fugir de culpa cultivar

Só sabendo ser fraca, se conhece em profusão

O quanto ainda consegue lutar e o quanto não.

Não a julgo, pois sei que é humana a reflexão

Admitindo a culpa que tens no coração.

Se reconhecer lhe bastasse, quão bom poderia isso ser,

Só colocar pra fora essa decepção,

Mas sabemos que culpa não morre assim,

Nasce e vive com a gente até nosso fim.

Mas nem só de culpa nutre o nosso ser

E ainda há esperança a mim e a você!