MISSA DE CINZAS PRESENTES

Não sou aquilo que demonstro ser.

Alguns me acham alegre; outros, então,

nada dizem do que eu possa parecer,

pois são incapazes de sondar meu coração.

Quantas vezes me sinto triste e vazio,

sem ter com quem contar o que vai

dentro deste meu ser que ri desolado

do fogo pálido do pavio,

que não demorará a ser sufocado.

Vivo sonhando, no mundo da lua,

onde o real para eles a mim é fantasia,

pois, perdido dentro das noites na rua,

já não me resta mais alegria.

Sei quem sou eu por ouvir alguém dizer;

de outra forma eu não saberia

nem mesmo como me proceder

neste mundo sem alegria.

Às vezes chego a sentir grande atração

pelo fogo que nos incêndios vejo,

a ponto de ser meu maior desejo

o de findar em chamas como o carvão.

É bem provável que isto venha a ocorrer,

pois com tanto papel espalhado à minha volta

eu não consiga nem mesmo abrir a porta

no momento em que o incêndio vier a acontecer.

Assim, sem ter mais para onde fugir,

verei tudo de mim ser destruído,

enquanto pelas chamas serei engolido

e sem nenhuma chance de resistir.

As línguas do fogo que me lamberão

levarão minhas digitais, minhas mãos,

meus pensamentos, meu corpo e tudo de mim.

Minha pele desidratada e minha carne pobre.

Secarão meu suor, minhas lágrimas e meu sangue

nobre.

Queimarão meus ossos, tudo, até que eu chegue

ao fim.

Nada mais restará de mim.

Ninguém mais ouvirá nenhum soneto,

nenhum verso, nenhuma poesia.

As noites agora dormirão tranquilas, serenas.

Nem mesmo o vento soprará com vigor.

Nem as estrelas chorarão do infinito.

A chuva será mais mansa.

Os bichos não mais falarão alto

e as letras desarmonizadas pelo chão

já não saberão mais compor nenhum refrão.

Pode ser que alguém chegue a chorar,

mas, talvez, de alegria; não, de dor,

pois ninguém será capaz de encontrar

uma razão para explicar o amor,

que, dentro daquele corpo carbonizado,

segue com o destino do fim,

após muito ter se esforçado

para ser reconhecido.

Nada mais ouvirão de mim.

Nem mesmo lembrarão quem eu fui.

E todos os meus livros escritos

com dificuldades e sacrifícios

serão juntos comigo incinerados

pelo fogo da ingratidão

daqueles que jamais hão de ler

mais nenhum verso meu.

Tudo estará consumado.

Serei esquecido por todos,

como sempre fui em vida,

nem mesmo o sol brilhará no toldo

que abrigou minha sombra desiludida

em outros dias de meu passado.

Ninguém mais falará de mim,

assim como não falarão dos outros autores

que nunca foram reconhecidos,

apesar de terem sido grandes construtores

de opiniões formadoras de cidadãos bem-

sucedidos.

Quando chegarem os bombeiros,

em meio à multidão aglomerada,

não encontrarão passagem,

pois os meus versos derradeiros

serão simples páginas incineradas

de mais uma trágica bagagem.

Pode ser que alguém reclame por um dia de luto,

que celebrem uma missa de cinzas presente,

ou ainda que algumas lágrimas venham a

depositar

sobre meus restos mortais, que, num silêncio

absoluto,

esperam poder repousar tranquilamente

quando terminarem de me enterrar.

Nova Serrana (MG), 16 de novembro de 2010.

Tadeu Lobo
Enviado por Tadeu Lobo em 26/10/2017
Código do texto: T6154168
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