POMPAS FÚNEBRES

Eu vi o morto deitado

de pés atados, de mãos cruzadas,

sonhando que estava acordado.

Vi um homem na rua

comprando juras de amor

debaixo da mesma lua,

que lhe assistia com pudor.

Eu vi quando da mulher, sorrindo,

de dor ou contentamento (?)

as pernas foram-se abrindo

para mais um nascimento.

Vi do alto do Corcovado

dois braços bem abertos

abraçando o povoado

que vivia deserdado.

Eu vi muita gente mendigando:

comida, moradia, calçado (...).

Aos ratos suntuosos que iam passando,

assustados por estar sendo cassados.

Vi o fogo que o bárbaro ateou,

querendo fazer cinzas, o indigenismo

que, tão bem, como filho o adotou,

sem preconceitos ou egoísmo.

Eu vi muita gente chorando

de dor ou de contentamento (?)

enquanto o corpo ia carregando

durante o passamento.

Vi um homem, um morto.

A lua que assistia ao aborto.

O sorriso da menina-flor

ser vendido por tão baixo valor.

Vi quando os braços se cruzaram

e as lágrimas se desfolharam.

Vi o povoado em guerras

destruir a própria terra.

Vi muita gente sofrendo

e a tudo na vida querendo:

educação, saúde, trabalho, lazer(...),

enquanto o corpo ia carregando

sem nenhum prazer.

Vi os ratos serem absolvidos

com o dinheiro dos povos sofridos.

Vi o fogo destruir matas

e um índio ser queimado vivo.

Vi as cinzas dos corpos caídos

e ainda como uma trágica lembrança.

Vi morrerem inúmeras crianças

com o perfume atômico da rosa,

da rosa solitária de Hiroshima.

Eu vi muita gente chorando

umas de dor, outras de contentamento (?),

enquanto o corpo ia carregando.

E vi quando a porta se abriu,

mostrando o morto ajoelhado,

de pés descalços e mãos levantadas

a implorar sua salvação,

sonhando que estava acordado

dentro de um escuro caixão.

Nova Serrana (MG), 23 de setembro de 2007.

Tadeu Lobo
Enviado por Tadeu Lobo em 23/09/2017
Código do texto: T6122362
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