Me resta a apatia
A vida castrou-me as paixões
Só me resta a apatia
O fervor me foi drenado
Só me resta a apatia
Fui punido por viver
Só me resta a apatia
Censurado o meu querer
Só me resta a apatia
Condenado ao desalento
Só me resta a apatia
O sangue hoje é frio
Só me resta a apatia
Desejos mundanos, e só!
Só me resta a apatia
Os objetivos já não impulsionam
Só me resta a apatia
Não posso, pois nem quero
Só me resta a apatia
Faço de conta que existo
Só me resta a apatia
Mesmo a inércia já me cansa
Só me resta a apatia
Não há fim e não há começo
Só me resta a apatia
Na gagueira da existência
Só me resta a apatia
Apodreço na penumbra
Só me resta a apatia
Um contraponto à alegria
Só me resta a apatia
Sou Ulisses sem Ítaca
Só me resta a apatia
Sem as bases nada ergue-se
Só me resta a apatia
A deficiência é congênita
Só me resta a apatia
A realidade é movediça
Só me resta a apatia
Até a luz tornou-se atroz
Só me resta a apatia
Um suicídio homeopático
Só me resta a apatia
Flerto com a autodestruição
Só me resta a apatia
Sou o espectro da decadência
Só me resta a apatia
À sete palmos de todos vocês
Só me resta a apatia
Enterrado na superfície
Só me resta a apatia
Na eterna asfixia
Só me resta a apatia.