VESTIDO DA MORTE
Veio a morte me visitar,
silenciosa, sorrateira e fria,
querendo levar-me de companhia
em um longo e eterno viajar.
Eu, porém, disse a ela
que esperasse mais um pouco,
pois, gripado e muito rouco,
não podia acompanhá-la, tão bela.
– Veja bem, amiga morte,
a condição em que me encontro;
já não tenho tanta sorte
nem preparo para um confronto.
Não é boa a minha situação,
pois estou fraco, muito doente.
E ainda sofro com uma dor de dente,
que é, mesmo, uma tentação.
Eu até que gosto muito de passear.
Rodar por aí a conhecer o mundo,
de canto a canto, de fundo a fundo,
mas no momento preciso descansar.
Por favor, não me leve a mal.
Volte em uma outra ocasião,
quando acontecer a colisão
dos astros no meu céu bucal.
Ou, quem sabe?, muito brevemente,
quando o elefante passar no buraco da agulha,
o rei-sol perder sua última fagulha
e em todas as galinhas nascerem dentes.
Acho melhor esperar mais um pouco,
Pois, gripado e muito rouco,
eu não poderei aproveitar a viagem.
Sugiro-lhe que venda a minha passagem.
Eu até conheço muita gente boa
que traz nos bolsos e carteiras
o dinheiro público em desordeiras
situações e a esbanjar numa boa.
Acredito até que eles irão gostar,
pois adoram se mostrar nos jornais,
debatendo-se feito animais
ou em um suntuoso jantar,
sem nenhuma das preocupações
com o salário dos trabalhadores,
que à custa de seus suores
procuram pôr em dia suas obrigações.
Hoje mesmo procurarei um dos doutores,
para receitar-me um bom remédio,
pra curar-me deste meu tédio,
de indignação pelos governadores.
Quem sabe eles me deem um tranquilizante
que me faça esquecer de ser honesto
e passe a ser um bom fertilizante
no cultivo dos desonestos?
Pois, enquanto muita gente passa fome,
morrem nas filas dos hospitais,
pelos erros mais banais.
Os políticos brigam por seus nomes.
Querem um novo teto salarial,
bem maior que o anterior,
sem nem lembrar que o trabalhador
se espreme com seu mínimo mensal.
Para pagar a prestação da casa,
a água, luz, gás, escola e aluguel,
enquanto o governo festeja e arrasa
nas festas de um grande bordel.
Como você mesma pode ver,
não estou preparado para ir agora.
Por favor, volte em outra hora,
pois ainda tenho muito a fazer.
Acredito que bom mesmo seria,
se marcássemos para o final dos tempos.
É! Quem sabe depois do último julgamento?
Assim, eu poderia arrumar tudo sem correria.
E pra não correr o risco de deixar nada esquecido,
assim que eu melhorar mais um pouco,
curar-me da gripe e não estiver mais rouco,
providenciarei tudo, até mesmo um novo vestido
para que você se apresente melhor
e possa atrair muito mais gente,
que por certo a receberá mais contente
e prazerosa por tê-la a seu redor.
Sugiro um modelo mais absoluto
com tecidos que virão após o julgamento,
pois só estes é que darão um bom caimento
e com certeza será mais bonito do que o luto
que hoje você está trajando.
Eu ouvi dizer que, depois do julgamento,
tudo será só alegria e felicidade.
ninguém mais sofrerá, é verdade!
E serão todos num só amor envolvimento.
Assim, quem sabe se nós formássemos um par?
E juntinhos fôssemos morar, bem lá no infinito,
onde pudéssemos viver o amor mais bonito,
bem longe de qualquer tipo de azar.
Eu lhe prometo ser bastante fiel
e fazer de tudo para não lhe contrariar.
Assim você não precisará me exterminar
e interpretaremos bem o nosso papel.
Você será amada e respeitada.
Não mais a temerão como morte.
Trará a todos muita sorte
e será sempre muito bem lembrada.
Assim, após ter concluído
tudo o que eu tinha para lhe falar,
principalmente sobre o vestido
que eu mesmo mandarei confeccionar.
Ela me pareceu mais flexível.
Não sei se pela promessa do vestido
ou por tê-la realmente convencido
de mudar o que para muitos é impossível.
Só sei que ela de casa foi saindo
com um olhar triste e profundo,
como a despedir-se do mundo,
enquanto eu ali fiquei sorrindo
por saber que a morte eu havia convencido
de voltar em outro tempo.
Quem sabe?, após todo o julgamento,
para que eu a entregasse o seu novo vestido.
Nova Serrana (MG), 13 de setembro de 2009.