RÉQUIEM

Morre-se um pouco a cada dia

por viver os enredos cotidianos

as picardias e engodos do tempo

enquanto lento passam os anos

entoa-se o santo ofício de morte

Rito cerimonial de cada dia

o dia vem e vai se embora

e então faz-se tarde bem fria

e a noite devora o que luzia

Morre-se um pouco a cada dia

quando o som da chuva lá fora

e o vento cantam uma elegia

cá dentro tudo então se cala

Na janela da mente só se espia

a escura tela de um dia triste

O dó da vida a que se expia

nada muda, nada vai embora

como se um dedo em riste

a frente de si mesmo persiste

como se um relógio repetisse

e agora, e agora, e agora

Morre-se um pouco a cada dia

Quando a mente é o desespero

O destempero do mau augúrio

de que nada parece dar certo

o embargo a todos os sonhos

Quando vem a luz d'aurora

o amargo acre de tolos bisonhos

pesadelos pelos quais se chora

Morre-se um pouco a cada dia

Amanhece-se com um lamento

e o ódio é a sua única liturgia

na órbita d´alma e do coração

o profundo lago da cruel apatia

a bílis jorra como única oração

deita-se  ao mundo absorto

todo o fel que vem à língua

de quem de si vive à míngua