OS CORVOS DO MEIO-DIA

O sol encerrou

Seu expediente

Ao meio-dia.

O mundo cobriu-se

De luto, mas não era

O luto das tempestades.

Toda a luz fora encoberta

Por uma revoada de corvos

Crocitantes, de negro arauto.

A Terra coalhava-se de mortos.

Tudo era caos e pestilência

Aos poucos vivos, penitência.

O ar pesado e tóxico corrói.

Desce pelos pulmões fracos

Feito arame farpado, rasgando.

Àqueles que vivem de morte

Apogeu, festim e boa sorte.

Os corvos do meio-dia crocitam

Coisas ruins espreitam

Roendo os nós dos fios de seda

Que sustentam a frágil vida.

As flores apodrecidas

Formam um mar de lama

Incolor, sem estética e fétido.

Só os perniciosos carniceiros reinam.

Os outros pássaros, agora são

Almas a cantarem da sepultura acústica.

Moscas em alegre passeata ideológica

Zumbem rindo da vida já passada

Zumbem sem tino sua piada escatológica.

As covas são as únicas

Portas abertas e as lápides

Os únicos endereços eternos.

Sonhos vencidos de rigor mortis

Espocam como bolhas sulfurosas

Expelindo imortais pesadelos.

O céu de escarro verga-se inflamado

Sustentando todos os horrores irreais,

Saudoso do límpido azul de outrora.

De olhos inchados e purulentos,

Um corvo bicando sua cabeça ferida,

Chora o fim da vida, a morte desempregada

Lamentando o tolo engano dos corvos e das moscas,

Pois assim que todo corpo (vivo ou morto) secar

Todos eles passarão: corvos, moscas e morte.

10/08/2016.