Lâmina

A lâmina que entra suave na carne,

Rasgando a pele que cobre esse saco putre

de deficiências

E reminiscências de um passado promissor

Transformado nesse asco e seu pudor

Que ora escreve esse péssimo poema

Separa da alma a dor dos nervos fracos

E liberta na ardência desses órgãos

O ódio vil que sinto de mim mesmo

O sangue quente que anestesia a ferida

E escorre líquido liquidando a vida

Não deixa de trazer certo torpor

Prazer por se saber findar a dor

E ter, ao menos uma vez, cumprida

A empreita iniciada e tão bem feita

A consciência que, demente, sonha

Prepara já as cenas do pós-morte

E a incerteza se apresenta, risonha

A zombar do moribundo à própria sorte

E eu fito a cena, os pulsos evanescidos

E temo ser achado ainda vivo

Por quem diz me amar mas que me nega

O direito mais vital - ceder o espírito

E penso, vão chorar o meu valor

Ou vão urinar sobre minha lápide

Mas, seja isso como for

Haverá na terra um espaço em que me encaixe

E o erro será, por fim, solvido

E o mundo seguirá seu caos supremo

E o tempo findará para este lixo

E o breu, o limbo, o inferno ou o abismo

Me acolherá com lágrima ou sorriso

A terra converterá este corpo feio

Em adubo para o frágil, belo hibisco

E o povo seguirá cortejo alegre

Alheio a esta desgraça em que ainda insisto

As festas, o luto, e o universo

Num universo em que já não existo

Éder Rafael de Araújo
Enviado por Éder Rafael de Araújo em 23/02/2016
Código do texto: T5552751
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