REBELDIA
Só por um dia
Não me submeterei às convenções,
Não por hoje, pelo menos.
Nem quero saber se haverá crítica,
Pouco importa.
Talvez saia pela porta
A cantar canções,
A plenos pulmões,
Canções que falem de amor,
os amores que se foram
Pela vida afora.
Mas não ficarei triste,
Afinal, tive amores
E eles me deixaram farta
De um jeito ou de outro,
Ou de saudade ou de desejo...
Farei coisas absurdas
Como ir à cidade sem sapatos,
Conversar com mendigos na praça,
Ouvir suas mazelas.
Se encontrar prostitutas,
Conversarei com elas,
E, se tiver chance,
Chorarei junto ao seu choro
As dores do desamor.
Não vou abotoar
O último botão da blusa,
Nem pentear os cabelos.
Sairei sem documento
A desafiar os contratempos.
Se me olharem muito,
Porei a língua a todos,
Malcriada por um dia
Sorrindo com alegria.
Com certeza vou esquecer
De trancar a porta da rua.
Porque eu gosto muito,
Vou só comer doces
Até enjoar e deitar fora
O excesso da doçura.
Vou medir o tempo
Que falta para eu morrer,
Marcando o hoje como
Ponto de partida
Para o fim da minha vida.
Dessa forma,
terei um ano a menos
A cada ano que passar...
Para hoje,
Quero a mãe do meu nascimento
Quero o pai que me carregou.
Não quero aquela que se foi,
Não quero o que nunca
Disse que me amava,
Mas que muito me amou.
Cansei de ser certinha,
Pelo menos por um dia
Vou ser criança de novo.
Vou espantar as gentes,
Gentes incoerentes
Que não sabem viver
Por um dia que seja, um renovo.
Só por hoje, sem convenção,
Espero ter o perdão
Pelos tempos idos
Para conseguir esquecê-los.
Poderei sonhar de novo
Os meus sonhos perdidos.
Entrarei numa igreja
a olhar os santos,
o padre ou o pastor.
Perguntarei a eles
Se algum dia amaram
Perdidamente como eu.
Teria um deles
coragem de dizer
Se algum dia aconteceu?
Vou silenciar.
Não vou poupar ninguém,
Não serei tolerante,
Não direi bom dia.
Não pagarei as contas de hoje.
Amanhã, pago os juros,
Que importa?
Como sempre estou
Fora das portas,
Carregando esta absurda alegria
Que pregada em mim,
Não respeita minha tristeza
E insiste em ficar aqui
Depois...
Quando vier a noite,
Vou ficar encolhida
Como um feto,
No escuro, escondida,
Sentindo pena de mim.
O silêncio, então, irá cantar
Cantigas de ninar
Que nunca me cantaram.
Eu dormirei
E o dia chegará ao fim.
No sono tudo esquecerei
mas menina ainda serei...