ruína

vejo que finalmente chegou

há tanto tempo esperei

que os ratos roeram as pernas

de minha cadeira de balançar

e as goteiras bateram até quebrar

meu alaúde, minha escrivaninha

e minha esperança

o que pensa?

vê beleza na ruína e na ferrugem

apetece a sujeira dos vidros e

os vermes em minha despensa

nas traças em meus livros

na ausência de minha alma

gostaria de lhe apresentar meu pai

mas há muito ele se foi

vê ali no canto uma bolsa de cor apagada?

sim, ainda guardo todas suas memórias

e todos os dias nessa madeira podre

eu sangro

não mais rezo

pois todo este lugar parece ter sido esquecido

por deus e seus anjos

do sangue faço tinta e escrevo tudo que sonhei

pois minha imaginação jaz enterrada no quintal

posso lhe mostrar a lápide, se desejar

aos poucos finalmente vou me esquecendo

com ajuda daquele veneno ali

de todos os momentos nos quais

lágrimas limpei e sorrisos abri

o que pensa, então?

gostaria de compartilhar desta solidão?

ama como me amou tanta decadência?

levaria meu corpo sem vida

para o quintal logo atrás para que ele

não seja devorado pelo tempo?

eu não existo

há muito parti

se de fato um dia

estive mesmo aqui

finalmente chegou

para encontrar apenas

ausência

enquanto aquele que esteve

aqui encarcerado

enlouqueceu

e agora põe-se a falar

sobre coisas que ninguém mais

deseja ouvir