Inominável
Tarde de outono,
morto o riso, chora o palhaço.
Cai a noite cravando na carne os olhos irados.
A cama vazia conserva nos braços um perfume:
o rubro cheiro dos corpos suados.
No útero-cama se encolhe,
feto-criança que sofre e se engana:
voltar no tempo,
doces, passarinhos, uvas
um colo com aroma de bolinhos de chuva,
a dor que se esvai num lamento,
num afago ou canção.
Os olhos fecha,
pesados do orvalho
que a mente abrasada não ousa secar.
A alma liberta no tempo retorna
e a fantasia completa:
Sinos repicando ao longe,
luz do sol,
noiva no altar, festa, vinho,
corpos unidos,
uma dúvida no olhar.
Acorda num gemido
ao som de ossos que se esfregam no escuro.
O ciúme, esse falso amigo
deu-lhe um passado,
tirando o futuro,
A amada exangue
- uma arma, um estampido -
branca e bela numa poça de sangue.
Raivosa madrugada
de mil olhos opacos que acusam.
Fétido e miserável é o catre,
doentio o suor.
Choro, gargalhadas e soluços pingados.
No leito estirado
homem-monstro em pesadelos padece
Urge apagar o passado
dores, sangue, gemidos,
e numa prece o amor
que se foi num estampido,
um grito, o corpo no chão.
Os olhos desérticos
giram sem rumo,
bússolas loucas de uma
mente sem norte.
De eterno momento cativo
dos sentidos privado.
Pássaro castrado atado ao chão.
Sono e vigília
um mosaico esboçam
um vitral de ciúme e morte.
Dorme Cronos nos braços de Baco
e em delírio o crime refaz
a culpa jamais se afasta
e sempre lhe foge
o encontro da paz.