ALEGORIA
O cheiro de erva-doce do teu pescoço
As caneleiras trazem o vento já perfumado
A lua mergulha no rio e se funde com seu dorso
Ele é branco como ela, puro como porcelanato
...
Vazio é o clima, a lua paira para sempre
Vazio é o corpo, deserto frio e morto
A alegria crua é sentida desde o ventre
Os mortos também vagueiam pelo horto
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No azul-esverdeado não há nada para ver
Além do verde azul
Não há necessidade de algo mais, de querer
Ir para norte ou sul
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No parque aquático fechado, na noite solitária
Nós ficamos juntos observando o abismo das águas
Não tinha uma única estrela e nem a vida diária
Só estou viva porque ainda quero lutar contra a mágoa
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Há estranheza nos seus olhos vítreos
Sem alma e sem brilho, frio boneco de porcelana
Que não sente e que não ri, muito menos ama
Que é frio e doce líquido, quente e amargo ígneo
...
Os vaga-lumes nos consolam do sol que se foi
É errado viver quando não se pode viver?
Hediondo é o matagal, inocente há de se fazer
E você nem se comunica, não me dá um oi
...
Mas sei o que pensa, sei que à noite você vaga perdido
Confuso e esquecido, e que logo mais morrerei pois sinto
E o corpo não mente, não faz nada além de se preparar para o jazigo
Dizer que algum dia cruzei seu caminho é mal-entendido
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Jamais te conheci, jamais aproximei meu rosto
Sei que sofro, mas sei que há sangue em todo lugar
E eu não tenho o direito de me dar o luxo de descansar
Porque o cheiro de ferro já se tornou insosso
...
Eu procurei entre o mato seco um aroma agradável
Mas encontrei o vazio rude do seu olhar
Sua verdade é crua demais para ser apalpável
E as suas palavras os fazem chorar
...
Mas eu me acostumei e deitei na grama, sem essência
Você se aproximou e não foi embora, que espanto
Escuto ao longe uma canção de ninar, um acalanto
Desejo estar sempre nessa doce e intocada inocência
- Que eu jamais descubra o prazer banal e inútil da maldade.