Apressado

Não é a idade que mata

É a velocidade

E quando se vai rápido demais

Tudo se torna um borrão

Quanto mais velho se fica

Mais rápido se vai

Olha pro relógio e vê

Os ponteiros girando acelerados

Os borrões vão se formando e fica difícil dizer quem é quem

O quê é o quê

E de repente tudo é branco

Dá um branco e escurecem as vistas

E tudo é negro e nada mais existe

Só a casca do que já foi

E aí acham que nos perdemos

Mas estamos lá, em cada momento

Sozinhos...

Somos coisas, não pessoas. Entenda:

Vejo este quarto quadrado

Onde em cada quina, habita um pedaço de mim

Em cada esquina, entoa-se a melodia de minha passagem

Meus cantos, meus olhos, meu corpo que é todas as coisas que me rodeiam neste quarto

O cheiro do cobertor, do travesseiro

A cadeira reclinada, o computador

A janela com três frestas remoídas para fora

Os quadros, os livros, desenhos e textos sortidos

Aquele vazio...

Mãe, sentirá falta quando eu me for

Encontrará presença na ausência desse quarto

De quatro cantos vazios e um perfume que desaparece a cada dia

Até que se esqueça por inteiro

Do cheiro, do rosto, mas não de mim

A coisa permanece lá

O que, eu não sei, mas permanece lá

Na tua memória

Num coração tão bonito

Ah, essa saudade do que eu vivi

Ah, essa ansiedade do que não foi vivido

Onde cada escolha parece ser sempre a mais errada

E cada momento se transforma em potencial arrependimento, para quem ainda está vivo

E apesar de tudo

Eu ainda amo escrever cada pequena palavra sortida pela minha cabeça

E dizer cada pequena fala

E entoar cada pequeno canto

E ver cada pequena coisa

E apreciar que ainda tenho tantos anos pela frente

Apesar de todas as linhas que me passam

Tão rápido.