DELÍRIO 1
Sangue Doce
Percorrendo os pinheiros ensanguentados
Nascidos unicamente do torpor
Dou um brinde à uma ilusória dor
Ponho-a na boca, dentes despedaçados
Há pouco ou nenhum horror
Ao olhar, com olhos de amor
Sarcasticamente, meu mundo arruinado
Guerras frias e quentes, cartéis ou gangues -
Nenhuma vingança humana é capaz de suprir
Na busca pelo irreal, não consigo existir
Cheiro doce das árvores e do sangue
A fonte da minha vida jorra e não alcanço elixir
Quanto tempo até minha vida não persistir
Até ela ser tudo que essa vida extingue?
O que faz sentido? Que sensação é essa?
É a descamação ou a piora dos traumas?
Inútil corpo humano, onde está a sua alma?
Coração mole para o que não presta
Desista de querer a lama ou eternizo tua calma
Uma ferramenta afiada num instante te acalma
Psiquê desmoronada, sem pressa nem promessa
- E nem quem impeça!
Puxando meus cabelos, imobilizada no chão no ringue da vida
Em uma tribulação na qual ninguém interfira
Entre o soluço e a ira
Vi sendo arrancada de forma sádica minha música infantil preferida
Que dizia, que dizia: "infância suja você não teria!
Sua infância não foi nada além de alegria!"
- Suja ironia!
O que sobrou além de sujo e sarcástico cinismo?
Só há vazio, sem música, nem notas, nem arranjos
E sorvendo da cerne de verme de Augusto dos Anjos
Há o som mudo dos que não podem falar, mutismo
O silêncio florestal, o apego e as larvas de mosca esbanjo
Dê voz ao silêncio, a bioluminescência também abranjo!
A desfiguração da figura, a doçura e o egoísmo
- Pobre menina, nascida mulher, nesse mundo de abismo!
Seu corpo feminino suporta o destino?
Ou morre antes de proteger seus amados?
Antes de ser útil, antes de ser afugentado?
Seria legal sentir o ar frio matutino?
Ou tudo virou trágica memória, trágico enfado?
Às vezes, descrever o sentir acaba por matá-lo
Então mate-o, mate-o, mate-o, mate-o, mate-o!
Embolorado está tudo que eu já conheci
Não há mais nada além de esperar meu corpo de vitral
Se quebrar por dentro me levando embora, longe de hospital
Rasgando em picados tudo o que já senti
Dizendo adeus ao corpo de um mortal, ao mundo irreal
A tudo que esse mundo sádico tem de mais real!
Procurando na lua o que vi ou não vi
Procurando o que se nada perdi? Ou perdi?
Delirando como Clarice Lispector no seu mais profundo opróbrio, quando é contundente com a realidade estar sóbrio?
"Sem nenhum senso da realidade, grito pelas crianças que brotam de várias camas, arrastam cadeiras e comem e o trabalho do dia amanhecido começa. Gritado e rido e comido."