Síndrome do Protagonista
A síndrome do protagonista pode ser caracterizada
Pelo indivíduo que, de certa forma, acredita ser o centro das atenções.
Tem a si mesmo como o princípio de tudo,
O catalisador.
Cuja mera existência permite o enredo da vida,
A atuação dos personagens,
O significado da mensagem nas miragens
O sentido de tudo isso.
Diagnóstico para os loucos - esquizofrênicos!
O centro, no máximo, de outros enfermos
Que confundem a ele com a televisão
E ouvem aguerridos aos anúncios matinais.
Balançando de um lado para o outro, de braços amarrados
Num quarto acolchoado
Carregando placas e símbolos
No pescoço, nas paredes, no teto
Por cada um destes, um desafeto;
Uma razão para ser especial.
O enfermeiro novato ouvia - sempre de relance,
Quando passava verificando os pacientes em sua ronda noturna -
Desabafos chorosos de uma mente que nunca experimentou a quietude.
Em uma das jornadas, destas pouco atarefadas, que nos fazem sedentos por distração,
Prestou-se a prestar certa atenção.
Em meio a sentenças ditas e escritas, que disparam projéteis como numa explosão,
Podia-se ouvir lógicas e falácias,
Caminhos diferentes que levam à mesma conclusão.
Uma pitada de ilusão aqui e acolá; nada a se assustar
Considerando a situação do emissor.
Mas as conclusões, os resultados das equações
Parecem mais tangíveis
Do que loucura.
Afinal, ele não está um pouco certo?
Correto em entender-se como o princípio de tudo?
Considerando que sem sua perspectiva, nada haveria
Já que somos os únicos capazes de sentir sabor?
Quem sentirá a dor, senão nós?
Quem entenderá qualquer coisa senão nós mesmos?
Como saber o nome dos outros, o nome das coisas,
Como saber que por vezes o todo é muito pouco,
Mas é o peso do nada
Que realmente açoita?
A afoita percepção
Que a mente correta é a louca;
Que desprendeu-se das mentiras, do dia-a-dia
Que olha para cima e vê apenas o céu,
E por isso, agora, vê apenas concreto;
Que faz mais perguntas do que se deve,
Mas se ficasse quieto, também estaria preso.
Acorrentado pelo silêncio, pelo descontentamento
Pela certeza de que não sabe de nada,
Mas sabe que, este mesmo nada, aqui não estaria
Se seus olhos não estivessem aqui
Para permiti-lo.
O enfermeiro enfim se afasta, aborrecido
Já buscando por explicações para seu atraso.
Olha para trás e vê o louco, ainda enjaulado, ainda extasiado
Falando com as paredes e com os cartazes
Como se ouvisse aplausos ininterruptos.
No dia seguinte, por volta do mesmo horário
Volta o enfermeiro novato, com tempo de sobra,
Para anotar o que escutar.
Talvez ninguém exista.
Talvez seja mais sobre a passividade e menos sobre a conquista,
Talvez não devesse haver desejo.
Sim, são formas no chão e rostos no azulejo,
E todos eles te olham com medo por descobri-los.
As vozes sussurram seu nome,
Os olhos leem seu nome,
Os dedos digitam seu nome,
E sinalizam ele também.
Os estranhos te olham pois você brilha,
Você soa, você sua,
O nome da rua tem teu nome,
Outros homens tem teu nome,
Teu nome tem apenas você.
Como deveria ser, mas não se é
Teu renome é ser o primeiro deles.
Ser o único que importa - o verdadeiro,
A justa causa, o derradeiro.
As etapas entre o nascimento e a loucura,
Entre a loucura e o desapego.
A disparada do coração
E o seu desacelero.
O único racional,
Em meio aos animais deste celeiro;
Aquele que descobriu o fogo, a roda,
As cordas e as polias;
Aquele que se desprendeu de rugidos e grunhidos,
Que ascendeu ao máximo da sabedoria.
O único Deus realmente vivo:
Aquele que dá a vida,
Que dá a atenção,
Que dá o sentido.
Quem dita a direção,
Quem cria o atrito,
Que acalma os pés no chão
Calejados; tão aflitos.
Que pode vencer no silêncio,
Mas prefere os triunfos do grito,
Que não sofre de contradições,
Pois acontecem somente dentro de seus ouvidos;
Que canta, dança, toca
Apresenta e se despede,
Aplaude a criação e a melodia
Pois sem a sua presença
Ela simplesmente não existiria;
Que saúda o todo,
E agradece em nome da maioria
Que dá a voz ao resto, um gesto de sabedoria;
Um comentário indigesto? Um erro no processo,
O reinício do arquétipo,
O arquiteto das mentiras.
O engenheiro das verdades,
O curandeiro das feridas
A razão da liberdade,
O carcereiro de suas crias.
A voz que fala lá fora,
E que te conquista por dentro;
A síndrome do protagonista,
Como todos vamos vivendo,
A única perspectiva que existe,
É aquela que nós temos.
A colcha é de retalhos,
Nós somos o remendo.