O DIABO

Ninguém é mais crédulo do que o diabo.

Ninguém é mais crente na hora

da canção contemplativa.

(O canto que sai

da abadia macabra

é muito antigo

vem antes da queda

do homem sapiens,

outro ser funéreo).

Ninguém acredita, porém,

em suas homenagens a Cristo

porque o coisa-ruim pensa todos os dias

no túmulo do Salvador

cercado por sapos sem cores

sapos básicos,

sem misturas.

O capeta tem uma leve impressão

da sua existência sinistra

como nós temos uma leve impressão do mundo.

Ele até conhece o benévolo

e tanto conhece que chegou ao áspero,

ao farpado,

ao grotesco,

mas não acredita na sua impotência

porque está sempre se admirando.

O diabo é a mosca hipnotizada

diante do espelho

e mesmo assim pergunta:

Por que nasci tão frágil

se as coisas falavam comigo?

Por que eu tive espinhas

na puberdade?

Por que o gene da calvície vem das mães,

se minha humildade é enorme?

E também afirma:

Os pais são os culpados!

O perdão é um prato frio.

A economia não é uma ciência

e ainda nos casamos na igreja,

do mesmo modo,

o câncer nunca será apenas uma constelação.

DO meu livro: "O ÚLTIMO FOGUETE"