Laborterapia

Choro com os olhos sorrindo para o mundo,

arco-íris unicolor pelas grades de minha alma,

ódio enlatado como produto comestível e nutritivo do que sou,

ninguém ouve as explosões atômicas do meu ser.

A vida me deserdou quando não a obedeci

E por onde eu corria

Todos as coisas vivas e inanimadas me chamavam de imprestável.

Por isso, carrego dentro de mim um Universo onde vagueio,

as coisas que vejo nesse mundo

são vistas longinquamente da janela do meu Universo.

Sou um pensamento triste revestido de osso, carne e pele.

Livro antigo e rasurado mofando na estante,

álbum musical ultrapassado e esquecido pelos filho do antigo dono e ouvinte,

nome riscado no diário de quem o quer esquecer,

seringa tão utilizada e agora descartada na lixeira pela morte de seu usuário

Fábula ignorada e ridicularizada perla criança que cresceu,

travesseiro queimado que colheu as lágrimas de quem o usou como padre,

jovem molestada covardemente pelo padrasto,

Oh Deus, sou tudo isso,

fui forçado a beber a tristeza vomitada pela humanidade.

Que bom que minha mãe não está aqui para me ver

descansando e apodrecendo nessa cadeira

Reclinado confortavelmente sobre minhas derrotas

Que são estrelas piscando tristemente na minha escuridão interna.

Pelo menos isso meu Deus,

pelo menos isso.

Emprestai-me ao menos vós, ó Silêncio e Vazio,

emprestai-me vossos ouvidos ao meu lamento,

ao que preciso urgentemente desabafar,

escutem-me e chorem por mim,

ainda que seja falsamente

chorem por mim.

Nunca abrirei a porta para sair de mim,

nunca tirarei aos mãos dos ouvidos para o que a vida me ordena,

nunca irei pela estrada de tijolos amarelos que o Destino me prescreveu,

nunca direi as palavras que o meu grande amor espera ouvir de mim;

nunca, nunca mesmo.

Menino órfão da vida, sem pais, sem lar, sem sobrenome,

sem colégio e amigos, cheirando cola, sujo e descalço,

menino: deite-se e cubra-se com o meu pensamento,

vivamos autotrificamente porque a vida não nos merece,

nunca nos mereceu.

Estejamos assistindo ao nosso sono,

com velas acesas ao nosso redor só por estar,

como se fôssemos ofertas autosacrificadas em desacordo com o Destino

Servindo de exemplo a quem se precipitou em si.

Moeda atirada pra cima pela mão da jovem viúva:

revela-me em que caminho não devo seguir.

O que eu quero da vida,

o que eu fiz da minha vida,

o que farei daqui pra frente?

Não sei, não-não, não quero saber.

Arranquem-me de minha alma e me levem convosco,

ponham-me em seus canhões

Façam de minha pele suas forcas

Usai-me como chicote nos vossos prisioneiros,

amarre-os apertadamente com o meu ódio.

Prendam-me pelo que não fiz,

metam-me na marra em vossos cativeiros

Me acusem de herege e de bruxo e me finquem na fogueira inquisitiva,

usem-me como seu único alvo em vossos treinamentos de guerra.

Pelo amor de Deus, ou de Hera,

ou de quem quer que vós amais,

me chutem pra fora de casa

Me acusem injustamente

Me julguem culpado

Atirem-me pedras. bem pesadas,

e cada cristão, mendigo, ateu, criminosos e faccioso da cidade

Venha e me pise sem remorso,

fazei isso por mim meu povo amado,

Fazei isso por mim.

Levante-se contra ó Natureza,

me machuque também.

Chova saraiva sobre minha testa,

o mar salte e inunde o trajeto que o Destino me indicou,

as nuvens me disparem seus relâmpagos

As estrelas cantem pelo Universo sobre a minha estupidez,

sobre a vida que escorregou propositadamente da minha mão direita

Quando saí da biblioteca.

Não me perdoem ó Árvores,

flores: não percam tempo chorando por mim,

e que o Destino me arraste pelos cabelos até ao monte santo

E me esmurre até que eu perca a consciência,

quem sabe assim eu consiga sorrir.

Antes isso a continuar plantado aqui,

observando o teor magnifico da Vida pela TV,

acostumado a pedir perdão depois de alguma falha

Indo como um zumbi cego para o trabalho,

antes isso a continuar me enganando,

a continuar lamentando o que eu quis fazer.

Sim, agora,

me estuprem entre a ilustrosa Igreja e o prostíbulo,

me carreguem em seus fuzis,

sou o vosso cão-farejador buscando os fugitivos que também são-me,

sou os motivos lúgubres dos psicopatas e suicidas,

levo secretamente o pó ao viciado,

estimulei ao máximo os hormônios do Pensamento dos fornicadores,

homossexuais e estupradores;

me bebam até a última gota ó ébrios da Vida

Me repudiem de suas igrejas

Me aspirem em suas viagens alucinógenas,

e gritemos num belo coral: foda-se, foda-se tudo.

Viro a página do meu destino pré-escrito,

e leio imperceptivelmente que nada está ali escrito,

porque nada é tudo e tudo é nada pra mim .

Não sei se devo continuar com os olhos abertos

atentos ao filme fictício de nossa vida,

ou afundar-me em meu ser, e poder assim catar algumas maçãs

do pomar de minha infância.

Atirem-me com o corpo encaixotado de todos os navios,

me ejetem de suas esquadrilhas,

me colham no campo e me enfeitem para vossas janelas,

me adotem todas as mãe do mundo e me cuidem com carinho,

seja eu o amigo que sempre se abraça sinceramente.

Abram-se todas as sepulturas e me compartilhem como única vítima e filha,

me urinem depois de vossas orgias,

me escondam debaixo de vossas demencias,

me esbofetem depois de me usar sexualmente

Me quebrem em fragmentos de vidro em vossas brigas conjugais,

por favor, me toquem corruptivelmente,

me sacudam, amassem-me no chão,

mas não me tratem mais com essa indiferença costumeira e diabólica.

Até isso,

menos continuar ouvindo os pingos da chuva sobre o telhado,

dando adeus diariamente a Vida que jamais tive coragem de viver.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 30/12/2007
Reeditado em 17/04/2018
Código do texto: T796922
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