TORTURA
tu não ouves porra nenhuma do que estou tentando te dizer
eu sou o calafrio que corre pelo teu nariz quando você está raspando pelinhos recém-
nascidos do rosto
eu sou o friozinho na tua barriga enquanto escova os dentes antes de o sol nascer e não
percebe que há algo estranho
eu sou a pontada aguda em teu peito que você não sabe de onde veio quando bebe teu
cafezinho forte demais para um homem tão forte demais a ponto de não perceber quem
sou ou o que sou
enquanto a manhã não clareia
e parece durar uma eternidade e
você nota que não há nada a pensar neste meio tempo e em qualquer lugar
e já louco estranho você olha fixo e desfocado para a penumbra do teto
eu sou o fogo que acende em tua mente e desce vivo-vibrante por tuas veias e você
pensa: até quando prosseguirei com esta mentira?
e os pensamentos se confundem no meio de uma ventania
folhas avulsas de manuscritos há muito não lidos que voam aturdidas e o dia cinza que
parece nunca acabar
eu sou a tontura
eu sou a tortura
que te assola ao caminhar pela rua enquanto percebe
que foi enganado